Deixamos a lareira e prosseguimos com notas de livros:
1) Do Tempo e da Paisagem ( Principia, 2010) , do Henrique Pereira dos Santos. Aprendi como o milho está na origem do desequilíbrio interior-litoral e que o fogo não tem a dimensão trágica que lhe atribuímos ( basicamente o que arde é mato e regenera rápido). O Henrique teve a amabilidade de me enviar o PDF do próximo livro: faz justiça a uma grande região gastronómica portuguesa ( vivo perto). Do que já li, é de chupeta ( como dizia o Eça) .
2)Correspondência da Grande Guerra, do Coronel Manuel Maia Magalhães, organização de Vitorino Magalhães Godinho ( INCM, 2010). Leitura obrigatória para quem gosta de construir o retrato psicológico do português moderno. Mais de metade da correspondência é sobre o sistema de licenças, O coronel, colocado no estado-maior do CEP, entendia que após o golpe de Sidónio Pais passara a haver filhos e enteados. As referências aos que lá ( em Portugal) desprestigiavam o país cá ( em França) são também abundantes.
As reacções, em geral, não primaram pela boa retórica, inteligência ou coragem. Ao contrário dos sargaços diários, o episódio é parte de uma trama mais complexa e navega em águas mais profundas. A consequência, repartida por PS e PSD, foi termos duas legislativas em pouco mais de ano e meio. A pergunta certa é : porquê?
Se o PSD queria apear o governo, apresentava uma moção de censura independentemente de estar em discusssão o Chico da CUF ou a CUF do Chico. Ou seja, se a condução governamental era péssima e se os PECS eram todos maus, tanto fazia este ou aquele momento, se um telefonema ou uma reunião de quatro horas, se o governo estava a negociar em Bruxelas ou em Toronto, se chovia ou fazia sol. Em política, essa decisão tem um nome - coragem - e um sobrenome - coerência. Aconteceu o contrário: justificações mal atamancadas e um medo pelágico do castigo eleitoral pela abertura de uma crise política.
Do lado do PS-Governo, o mesmo calculismo eleitoral. É evidente para qualquer mesencéfalo que mais vale eleições agora, perto das últimas, do que lá para o fim da legislatura. Agora pode queixar-se do coito interrompido, mais tarde seria o deserto ( a margem sul). Pouco importa se a casca de banana e a armadilha resultaram. Um governo é feito para governar , não para organizar safaris. Se entendiam estar no bom caminho, insistiam as vezes que fossem necessárias.
Também preocupante é o registo infantil e virulento da discussão. Assessores, agências, blogojornalistas agenciados ( um enxame...) e wannabes diversos vestem a camisola e dedicam-se ao arremesso de bolas de golfe. Se isto era irrelevante em tempos normais, agora é muito mau sinal. Quando as coisas aquecem a sério, dispensa-se a histeria: manter a cabeça fria, refrear a réplica indigente e conter as emoções são requisitos essenciais.
Resumindo: vamos ter uma campanha eleitoral para discutir quem provocou a campanha eleitoral. Uma democracia, portanto, inimiga da liberdade. Uma simples representação.
E agora regresso às minhas deambulações teóricas e à minha série.
Aguardemos as explicações. Vai ser necessário um punhado de coisas: boa retórica, inteligência e coragem .Um bocadinho mais, portanto, do que posts engraçados e insultos de adepto de bola.
Os jornalistas, os verdadeiros ( não os de chinela vingativa), talvez investiguem.
Para o Carlos Abreu Amorim. Temos discordado em muitas coisas e trocado farpas ao longo destes anos, mas o CAA tinha vida profissional antes da candidatura e será, no mínimo, um deputado melhor do que a maioria acéfala.
Uma nota adicional: surpresa, como acabei de ouvir na TV, é que não é de certeza. Desde 2008 que o CAA não esconde a sua opção passos-coelhista.
Estou sem acesso à caixa de correio do blogue desde Janeiro. Por favor não enviem para lá mensagens que necessitem de resposta ( invectivas podem enviar à vontade).
Uma característica superior das mulheres é a forma sequencial como fazem as coisas.
Primeiro tem de haver conversa, depois o sexo. Muitas ainda vão a seguir tirar a roupa da máquina ou espetar-se no facebook para responder a uma amiga.
Quando entram no modo maternal, focam-se de início na concepção. Depois lêem livros ou frequentam cursos; mais tarde organizam a ida para a maternidade e o quarto do bebé.
Quando decidem desafiar a sogra, fazem-no com cautelas de raposa. Falinha mansas primeiro e convites para jantar. Depois fazem-se de vítimas e finalmente passam ao ataque: não deixam passar uma e certificam-se de que o banana toma conhecimento.
posted by FNV on 10:47 da tarde
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A POSIÇÃO NEGOCIAL:
Reza a lenda ( comprada a Orwell ) que Sir Walter Raleigh estava preso, na Torre de Londres , quando presenciou um acontecimento que o fez desistir de começar o segundo volume da sua History of the World. Debaixo da janela da sua cela, dois homens envolveram -se numa disputa e um deles acabou por morrrer. Raleigh nunca conseguiu saber, apesar de ter todo o tempo do mundo, o que tinha motivado a refrega.
Sim, arrebatado, com muitos clichés, a meio caminho para o fado. Na sua tertúlia - Daniel Filipe, Egito Gonçalves e Couto Viana, por exemplo - o estilo era o mesmo. É por isso um prazer encontrar-lhe boas fórmulas e matar o preconceito:
Na palavra inescrita mas presente na hora,
finco as mãos sobre a ponte - parapeito da sombra.
Percebo pouco de matemática e menos ainda que os 19 pontos se devam às primeiras 3 ou 4 primeiras jornadas, que não dão mais que 9 ou 12 pontos.
Mas os sábios lá saberão...
posted by VLX on 7:06 da tarde
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DE TEMPOS A TEMPOS...:
...há boas notícias em Portugal. Ver aqui e ler aqui.
posted by VLX on 6:00 da tarde
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"HIENA, ANIMAL ESTÚPIDO, COME CACA E DÁ QUECA UMA VEZ POR ANO. RI DE QUÊ?!?" – Chico Anysio
Só me ocorre a anedota da hiena quando vejo o PS muito divertido pelo facto da intervenção do FMI ter por base o PEC IV.
E a comunicação social, sempre amiga do PS, quando se diverte considerando isso uma ironia do destino também não está a ver o essencial da coisa.
O essencial é que se o PEC IV constitui apenas a base do programa de intervenção do FMI (a juros muito mais baixos) isso quer dizer que o PEC IV de há semanas já não conseguia combater a situação que se verificava.
Voltando à anedota das hienas, esta malta ri de quê?!?
O país inteiro percebeu que no pavilhão da Exponor esteve um grupo que está completamente fora do país real, vive numa fábula que nada tem a ver com o dia-a-dia dos portugueses.
Mas se alguém tivesse dúvidas sobre isto deveria ter ouvido o Fórum da TSF, hoje, sobre o estado actual do país e da necessidade de intervenção externa. Pode-me ter escapado alguma coisa, mas não ouvi qualquer responsável socialista a intervir no debate sobre o destino a que nos trouxeram. Estranho? Não estranho.
Tantos bloggers a analisar, hora a hora, cada palavra, cada gesto, cada notícia da refrega pré-eleitoral ( embora depois digam cobra e lagartos da dita), dão-me espaço para ir noutras direcções. Temporizemos um pedaço, levemos o terceiro obstáculo - o actual sistema partidário - para os médios. Devagar e com temple.
Insisto numa ideia: se vamos viver uma situação excepcional, é possível equacionar mudanças rizomáticas ( como dizia o EPC, inspirado em Deleuze). A tal raiz, a do actual sitema partidário, assenta em que tipo de solo? Qualquer um que conheça um pouco do sistema sabe que um componente essencial é a representação separatista que os partidos fazem da sua própria actividade. O termo sociedade civil nasceu de onde, senão desse separatismo? Não cabe aqui a análise comparativa, até porque não é necessária. A sociedade portuguesa viveu o grosso do século passado num regime de partido único e depois num mosaico de partidos-pirilampo, até que reposou no quadro actual. Esse quadro apropriou-se das técnicas de manejamento dos recursos. Nos primeiros tempos, com os media quase todos controlados pelo Estado, as empresas públicas ( bancos inclusive) totalmente manietadas e os sindicatos anexados. O PCP nem o discurso ecológico deixou de fora , cooptando-o sob a sigla Os Verdes, como narra Zita Seabra no seu livro Foi Assim.
A modernização dos dinheiros da UE não foi só betão como hoje se diz. Nos anos 80, muitas aldeias a 5 km de Coimbra, por exemplo, não tinham saneamento. E mesmo que o investimento tivesse sido apenas betão - estradas, escolas e hospitais - tal só pode ser desprezado por quem sempre viveu na Avenida de Roma, estudou no Liceu Françês e se foi operar a Londres. O que foi acontecendo, como a todas as coisas lentas, foi o aumento progressivo da separação. Uma década e meia de bem estar isolou as pessoas do continente das acções colectivas. O caso da Madeira, para falar num destacamento real, é explícito: é possível prescindir da democracia política, no que ela tem de liberalismo ( para usar uma expressão de Carl Schmitt), para beneficiar de melhorias concretas na vida quotidiana, ou seja, para criar uma equidade concreta. Bem, talvez não seja assim, porque o povo vota Jardim e o povo nunca se engana, não é?
Não é por acaso que o pessoal partidário é robusto e não desarmará facilmente. São muitos anos de humilhações, toneladas de baterias de telemóvel e o hábito de desenvolver um milhão de variantes do "vencer o futuro". A ductibilidade do sistema permite-lhe a sobrevivência nas condições mais difíceis. A inexperiência da politização e intelectualização ( palavras malditas pelos deolindas) das gerações que cresceram naa décadas de abastança ( a crédito, bem sei) favorece essa capacidade de sobrevivência.
Também insisto que uma certa dose de violência será indispensável e inevitável. Não falo de um quadro revolucionário, falo de uma violência comum, natural, crescida na impotência. O que vier a seguir é que poderá, ou não, ser suficiente para que as pessoas compreendam que não podem continuar a desinteressar-se dos assuntos que lhes dizem respeito ( a nobre arte da política segundo Valery). O castelhano sem ossos, como Unamuno descrevia o homem português, terá, pelo menos, cartilagens.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.