José António Saraiva costuma deixar na Tabu reflexões pessoais interessantes, de pessoa vivida e experimentada, concorde-se ou não com elas. Na desta semana vejo que passeia os dedos pela ferida sem no entanto dissecar o mais relevante. Discorre o jornalista sobre a possibilidade da aplicação das regras do casamento civil à união de homossexuais do mesmo sexo e recorda a influência de Fernanda Câncio sobre o Primeiro-Ministro relativamente ao assunto. Mas não vai mais além. Eu vou.
Num país civilizado, qualquer um se sentiria incomodado se a mulher, amante, amiga, namorada, uniã de facto ou o que fosse usasse o seu poder sobre um Primeiro-Ministro para o levar a tomar decisões políticas ou outras numa ou noutra direcção. Seria grave se a namorada do Primeiro-Ministro lhe telefonasse a pedir favores para determinado licenciamento de um primo ou amigo inglês, ou a pedir para que determinado sucateiro lhe fosse recolher o lixo. Mas não será igualmente grave que a mesma pessoa envide todos os esforços para que o PM adopte determinadas opções legislativas face aos comportamentos pessoais? Que sentirá o pobre do Sócrates ao chegar a casa, diariamente, cansado, e a ter de ouvir "Ó Zézito, já trataste do casamento dos meus amigos homossexuais?"
Claro que Fernanda Câncio faz exactamente o que lhe vai na cabeça e defende há muito, e que não existem nem ela precisa de envelopes para desenvolver as suas posições e ideias, mas terão elas influência nas decisões do Primeiro-Ministro? Exercerá Fernanda Câncio lóbi sobre o PM? Será Fernanda Câncio vítima de um lóbi organizado relativamente a este assunto por força da sua relação com o PM? Decidirá o PM numa ou noutra direcção por força dessas pressões? Para não ter chatices em casa? Para poder jantar sossegado? Será por isso que não quer referendos?
O PM veio dizer que certos sectores da sociedade só querem referendos quando lhes interessa. Mas pelos vistos José Sócrates recusa aos portugueses o seu direito ao referendo quando não lhe interessa. A ele ou à Fernanda Câncio.
Leio no Expresso que o grupo Grão Pará poderá finalmente construir à volta do circuito do Estoril. Nada me liga ao dito grupo empresarial, às pessoas, à região ou aos terrenos em causa, mas considero isto um acto de justiça. Nos finais da década de sessenta, princípios da de setenta, esse grupo modernizou o país construindo na altura um dos melhores circuitos automobilísticos, ainda hoje com um traçado fabuloso (não obstante alterações que o prejudicaram) e imitado por vários mais recentes (Barcelona, Portimão). Esse investimento foi feito (e oferecido ao país) na suposição de que igualmente se poderia construir e beneficiar indirectamente do investimento. Por razões várias, a partir do vinte e cinco do quatro se impuseram restrições ao projecto que de boa fé as pessoas tinham apresentado. Isso, agora, terminou. Embora 40 anos depois, é bom que tenha acontecido.
posted by VLX on 12:55 da tarde
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CARRINHOS DE CHOQUE:
Vai de encontro, vai. Se rasparmos bem - e nos amigos e amigas também - encontramos mais do mesmo: superfície. Frágil.
Adenda: o outro lado está aqui. E também se aplica amigos e amigas do PM: hábitos da lota sem a frescura do peixe.
posted by FNV on 1:23 da manhã
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MARIA ÂNGELA ALVIM, SEMPRE:
E regressa esta brasileira, tão suave e tão esquecida que acabou por acabar-se a 19 de Outubro de 1959. Era para ter assinalado a data. Esqueci-me. Do que leio dela ( quase tudo porque publicou pouco), fica na mesa a tal suavidade simples e amarga. E uma desprotecção absoluta O poema não é excepcional, longe disso, mas tem aquela sentença fabulosa: Tirando o enredo o mundo é um medo. Lembro-me sempre da experiência Capstick: fiquem na sala, na vossa sala, à noite, sozinhos, no escuro. Passado um bocado, ele vem. Só enredo. Fiquemos então com Entressono (1950):
Que hora estranha. Pensas; sozinha. -Tirando o enredo o mundo é um medo que se avizinha. Te aceitaria o mundo aceito? Nunca. Sozinha. Ele te cerca de seu segredo raso e profundo, tal qual fosses, cega criatura, razão segura de seu segredo.
Em finais de 80, Portugal estava em democracia e a Europa financiava-nos. A burla do Fundo Social Europeu e o Caso do Fax de Macau teriam constítuido dois excelentes pretextos para nos confrontarmos com os nossos vícios. Ligação entre política e dinheiro ( ao contrário do caso Casa Pia, por exemplo), ligação entre investimentos públicos e corrupção. Se nessa altura as coisas acabaram como acabaram, por que motivo hão-de acabar, hoje, de um modo diferente? Resignemo-nos.
posted by FNV on 11:27 da tarde
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SOMOS OS PRIMEIROS:
No outro dia, numa reunião científica, explicava aos meus ouvintes que já falta pouco para destronarmos a Espanha do título de principal ponto de entrada de drogas na Europa. Na área da prevenção é o que o se vê. Não posso dizer que estou admirado. Cegueira e desinteresse por parte das agências oficiais ( pese alguma boa vontade do gabinete do PM), péssima preparação, prática e teórica, da maioria dos profissionais. Sobretudo, um enorme provincianismo, científico e intelectual, que resulta bem: já somos ( quase) a Tijuana da Europa.
posted by FNV on 11:06 da tarde
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TEM UMA EXPLICAÇÃO:
Não vejo, mas ouço. Quem vê é a minha actual mulher ( a continuar assim não dura muito) e talvez isso explique que só o "acho absolutamente extraordinário" seja do autor. Resta dizer, porque já não é a primeira vez, que o PML é sempre bem educado, mesmo nas provocações.
posted by FNV on 7:11 da tarde
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SUBSÌDIOS PARA O ESTUDO DA DEONTOLOGIA JORNALEIRA (VI):
Pacheco Pereira interpelou o PM sobre a promiscuidade entre o poder político e o poder económico, e também sobre o minúsculo espaço que a corrupção ocupou no programa do PS ( o tal que agora é o programa do governo). O que interessou à remodelada ( ou já se esqueceram? ) TSF: a suposta falta de sintonia entre as posições da JPP e as de Aguiar Branco. Linda menina, a TSF. Linda. Dá a pata. Dá a patinha. Linda.
1) Apresentação do programa do governo. José Sócrates pode bem substituir aquele senhor do Eixo do Mal ( SIC-N), o dr.Pedro Marques Lopes : repetiu 18 vezes "acho absolutamente extraordinário" e 12 vezes " só neste país". É a versão lacaniana da linguagem dos taxistas.
2) Ao ouvir a representante de Os Verdes ( que não sei como ainda têm a lata de existir depois do livro de Zita Seabra) ganindo por transversalidade, transformo-me, longitudinalmente, num acérrimo defensor de Sócrates.
Maomé não terá rosto porque é proibido. É um filme para os europeus "desfazerem mitos acerca do Islão" ( como se houvesse só um Islão). O respeitinho é muito bonito e de cócoras a coluna descansa. O conselheiro do fime é al-Qaradawi , que acha muito bem que as mulheres sejam espancadas e que algumas até gostam. Duvido que as deputadas marroquinas apreciem a ideia. Já por algumas portuguesas modernaças não ponho as mãos no fogo. O que eu me rio.
posted by FNV on 1:29 da tarde
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FRACA IDEIA DOS DIREITOS DOS PORTUGUESES:
Francisco Assis acha que não faz sentido um referendo sobre a possibilidade do casamento de homossexuais do mesmo sexo porque já se provou (?!?...) que o referendo é um modelo de organização de decisão política pouco participado.
Seguramente não se terá apercebido de que o argumento é idiota. Se os socialistas acham isto, que acabem de vez com a possibilidade de referendo, não interessa mais letra morta nas normas que nos regem. Aliás, se a participação das pessoas conta como argumento, então que se acabem também com muitas eleições (ou todas?). O raciocínio pode, portanto, levar ao fim das eleições e aproxima muito os socialistas do antigo regime. E que sabe Assis se as pessoas se irão interessar ou não com este referendo? E quem é Assis para prever o futuro? Ou para decidir pelos portugueses?
Diz ainda Assis que o tema já foi muito debatido (onde? onde?...), que estava no programa do PS e que o PS ganhou as eleições. É não saber ler os resultados e não respeitar os eleitores, sequer aqueles que votaram nos socialistas. Nem todos os votantes socialistas apoiam ou concordam com tudo o que vem no programa do PS (e conviria o PS perceber isso antes de avançar para questões e debates bem mais importantes). Em concreto, nem todos os votantes socialistas apoiam e concordam com a aplicação das regras do casamento às uniões de homossexuais do mesmo sexo. De resto, nem sequer todos os deputados socialistas apoiam e concordam com semelhante coisa (e muitos já o fizeram saber). De forma que este segundo argumento também é falho, vale zero (não só para este tema como para muitos mais do programa do PS).
Francisco Assis e o PS pretendem retirar aos portugueses um direito que lhes assiste (o de decidirem por referendo) numa questão que lhes interessa. Pretendem decidir por eles por entenderem que o referendo não presta. É ofensivo para todos os portugueses.
E pretendem ainda retirar das intenções dos votantes socialistas ilações que estes não possibilitaram: é ofensivo para os próprios votantes socialistas.
Por isso, ao invés de proferirem disparates e argumentos obtusos, PS e Assis fariam melhor em gastar o seu tempo a preocupar-se com a corrupção, economia, desemprego, custo de vida e saúde, que são as coisas que verdadeiramente interessam e importam aos portugueses. Ou então conceder-lhes o direito de decidirem eles próprios.
Um pedaço de Inverno à Luino, escrito em 1937, diante do lago Maggiore. A poesia não deve nada à prosa em sede de relatório histórico. Uma Itália à beira da guerra. Tudo é frágil e sem defesa, os dias bons estão acabar e um comboio escapa-se em direccção à fronteira:
Fuggirò quando il vento investirà le tue rive; sa la gente del porto quant'è vana la difesa del limpidi giorni. Di notte il paese è frugato dai fari, lo borda un'insonnia di fuochi vaganti nella campagna, un fioco tumulto di lontane locomotive verso la frontiera.
Assim quiseram. Estes são os números. Mesmo bons para comboiada rápida e auto-estradas paralelas de Plutarco. Vou buscar umas pevides e já me sento ao pé de vocês.
Este comentário do José Carlos Santos fez-me lembrar uma tirada, também numa caixa de comentários, no 5Dias: alguém ( não me recordo quem) defendia a extraordinária vivacidade da expressão artística depois de 1917.
posted by FNV on 1:36 da tarde
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O DN AO PODER:
1) O editorial do DN, de hoje, desbrava matas de simbirre até agora inacessíveis. No primero parágrafo enaltece ( sic) o facto do governo propor o programa com que concorreu às eleições. No segundo, explica-nos que o PM é um super-herói rodeado de perigos que saberá ultrapassar. Finalmente, no terceiro, o meu favorito, o jornalista explica-nos que quando Sócrates não cumpre promessas, é porque elas eram inviáveis ou não deveriam ter sido feitas. Nunca há manha ou incompetência. Há azar.
2) Pedro Marques Lopes, umas páginas antes, diz a mesma coisa por menos palavras, mas relembra, severo ( o editorial esqueceu-se), que os partidos da oposição não mostraram vontade de coordenar propostas . Ou seja, não quiseram aderir ao PS. .
posted by FNV on 3:06 da manhã
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SILOGISMO CATEGÓRICO:
João Galamba: "Os apoiantes de Socrátes sentiram-se incomodados com o rumo da direcção de José Manuel Fernandes". À primeira leitura isto faz sentido, mas depois há qualquer coisa que não joga. JG quer que "o Público volte a ser apenas um jornal". Se tal suceder, os apoiantes de Sócrates ficarão satisfeitos. Bizarro: um jornal pode ser um jornal e incomodar os apoiantes de um político ( o Washington Post derrubou Nixon e é um jornal). Se bem percebi o JG, nesse caso um jornal deixa de ser um jornal.
posted by FNV on 2:09 da manhã
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PROGRAMA & GOVERNO (I):
Se há um governo e um programa, discuta-se ambas as coisas. Era o que o PSD devia estar a fazer. Deixemos as coisas más para depois e comecemos pelas coisas boas:
1) Gosto de uma pianista e gestora cultural no Ministério da Cultura. Já li por aí que é para entreter papalvos, que uma escolha de lego, etc. Como devo ser estúpido, e excêntrico, entendo que uma artista com experiência na gestão da cultura fica bem no MC ( se fará, ou não, um bom trabalho é dúvida que se aplicaria a qualquer outra escolha).
2)Na mesma linha, uma professora de liceu, que também é escritora, parece uma opção saudável para a educação. Talvez os iluminados preferissem alguém da área dos cimentos.
3) A regionalização fica com "a criação de condições". Óptimo. É o que eu respondo quando me pedem que limpe a garagem.
Adenda: O Vasco puxa-me as orelhas porque eu não critico este tipo de jornalismo e mais o diabo a sete. Recordo que o link e as minhas palavras remetem apenas para a apreciação que um magistrado fez sobre o depoimento de uma testemunha. O resto da historieta não me interessa nada. Há que ser ponderado nestas coisas da bola.
posted by FNV on 1:18 da tarde
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STASIS BENFIQUISTA:
Têm aprendido bastante com os seus mestres. Ainda só vão na fase Carlos Valente-Guarda Abel. Não tarda e evoluem para Peixeirada Geral e Parking Mob. Só não se sabe se também terão um chefe que alterne entre os tribunais e Vigo. Veremos.
Gosto de confundir a régua do tempo-estilo. No outro dia enfiei Leonor Lencastre nos pré-rafaelitas( heresia) porque é assim que eu a sinto, embora academicamente ela seja uma pré-romântica. O Roberto Mesquita é mais livre: para-simbolista açoriano e primeiro-clarinete da Filarmónica Florentina, arrumo-o nos ultra-românticos. Naquela ilha, há mais de cem anos, sem ser pescador de atum e lavrador? Um monstro bem intencionado. Esta coisada toda para dizer que é estupidamente bom. Imaginem-se nas Flores por volta de 1901:
Fumo e passeio, a chuva cai, ninguém Passa na rua; e ao choro do beiral Sucedem uivos do nordeste. Vem Desta plúmbea manhã um spleen mortal...
posted by FNV on 11:59 da tarde
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CONVERSAS DE BOLA:
- Ontem celebrou-se em Braga o dia de finados. - Mas o dia de finados é amanhã… - Dia de finados foi ontem. Amanhã é Natal. - Estás enganado. Natal é hoje. - Hoje não é de todos os santos? - Nem todos são suficientes, não há salvação possível. Hoje vai ser Natal. - Cá ou na Madeira? - Cá. - Ah...
Percepção externa de excesso de carga ideológica. A nova directora do Público diz que o jornal tem sofrido disso e quer mudar as coisas. Óptimo. Talvez passemos a ter a perspectiva israelita na Palestina, talvez passemos a ler menos homilias aos desvarios dos primatologistas. Obsessão com a isenção: também é nova. Óptimo. Talvez passemos a ter pontos de vista diferentes em temas como a política de drogas, talvez deixemos de ler as obsessões do sr. Cerejo com Sócrates, talvez os jornalistas que fazem a crítica de hotelaria passem a viajar discretamente em vez de serem pagos pelas casas que vão criticar. Talvez.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.