Comecei em meados de 2003, já lá vão quase quatro anos e meio. Calcei a blogosfera como uma pantufa confortável: pessoas à distância, troca de ideias, amigos a bordo. Dou conta que a minha participação não mudou em nada a minha vida e ainda bem. Isto é quase uma regra pessoal: as novidades estrondosas nunca me trouxeram nada de bom. Hoje sou lido por um punhado de amigos blogosféricos e isso basta-me. Aperfeiçoei ao longo dos anos uma total ausência de espírito competitivo e uma lassidão permanente. É para mim um prazer poder confrontar zonas de influência sabendo que sou incorruptível: não sonho ser conhecido, escrever nos jornais ou sentar-me à mesa com políticos. Já quanto a presuntos não digo nada.
Todos os prazeres são presentes na sensação, passados na memória ou futuros na esperança, sentenciou ( Retórica, Livro I, XI) um dos maiores especialistas em toxicodependência que conheço: Aristóteles. O estagirita, ainda que desconhecedor das potencialidades da via meso-cortico-límbica e dos circuitos da dopamina, sabia tudo. Acerta no vinte quando explica que o destemperado facilmente se vicia num prazer se não conhece outros : um puto dos bairros de ferro que leva do padrasto todos os dias, que nunca ouviu Bach e que quase não sabe ler, naturalmente encontrará na heroína um céu de mel. Como hoje somos crianças perfeitas, os nossos vícios são sempre culpa de alguém, mesmo quando pudemos escolher livremente.
O fim do mês trar-me-á leitão do Vidal e chanfana do Baeta, talvez rematados com um Romeo y Julieta, Churchill, se a miserável Coimbra me permitir a renovação do stock. A culpa? Dos deuses e dos amigos, dois tesouros felizmente ainda ao abrigo dos cossacos de pantufas.
A Helena Matos conta a história no Blasfémias. Como dizia o professor de matemática esta semana premiado, a escola tem de ser cuidada em todos os aspectos, as pessoas sentem quando são abandonadas. O que dirão os pedagogos, os burocratas e os psicólogos aos miúdos que viram o que viram e agora vêem entrar de novo em funções aquele indivíduo, porque o Estado não conseguiu inquirir em quatro meses?
posted by FNV on 5:07 da tarde
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ODI ET AMO (LI):
O amor exige partilha, dizem. Deve ser por isso que os ciúmes são tão mais intensos quanto maior e mais rico for o território a partilhar. Falemos de três: Sogra e nora são agências com licença para matar, porque disputam um território indivisível. O melhor que o infeliz pode conseguir é o estabelecimento de um Paralelo 38. A paz é um trabalho de Sísifo.
O ciúme sexual é uma questão eleitoral: quem está inscrito e quem não está. É um sentimento obrigatório, a menos que entendamos como natural a monogamia. Os bruxos licenciados dizem que o ciumento é um inseguro, mas ele é apenas um burocrata eficiente: o seu círculo eleitoral ( às vezes literalmente, do ponto de vista geométrico) tende a ser permanentemente ocupado, logo tem de ser sistematicamente vigiado. O ciúme fraternal é a guerra civil. Disputa-se tudo: o nome, os recursos, a precedência. A originalidade deste tipo de ciúme é a sua longevidade: muitos anos após os pais terem partido, os irmãos ainda disputam a preferência filial. É uma guerra simbólica e eterna.
Pietro Gerbore, autor de Una storia dell'arte di vivere ( Fògola, 1985), publicada um ano após a sua morte. Diplomata, jornalista, historiador, memorialista e, sobretudo, um gourmet radical.Vale a pena ler.
posted by FNV on 11:57 da manhã
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UM GUIA PRÁTICO:
D. Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados, Livraria Simões Lopes, Porto, 1949: "Sofra ao marido à mulher tudo, senão ofensas; e a mulher ao marido ofensas e tudo". É curioso haver mulheres que têm saudades desses tempos. Ou então pensam que esses tempos podiam ser esses tempos sem estas coisas.
A SIC abre os telejornais, sistematicamente, com notícias de acidentes de viação. Ontem abriu com um acidente do qual "resultou um ferido grave que não é tão grave assim"( sic). Devem ter tido bom share à custa das vítimas do autocarro de Castelo Branco e vai daí toca a explorar o filão. Do lixo popular recente, apenas o filme sobre Pinto da Costa não os interessou. Talvez por solidariedade com os canitos do dito.
posted by FNV on 11:59 da manhã
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NÃO SÃO 99, SÃO SÓ 92 ANOS: Tenho por certo que já não é com os anéis que nos devemos inquietar. Verdadeiramente preocupante é que quando este governo socialista acabar já nenhum de nós terá dedos. Nem as gerações seguintes.
1) Menezes aparece aos portugueses sempre em trânsito, comentando isto ou aquilo. É interessante do ponto de vista das teorias sobre a construção da imagem de um político: o que parece? O ar ligeiramente desprendido transmite a certeza que só aguarda a queda de Sócrates, que as próximas eleições serão uma mera formalidade. É a estratégia da convicção antecipada: familiarizar o povo com a ideia de mudança. Tudo muito certinho, profissional e vazio. Tal como o castor que cortou os próprios testículos para desencorajar os perseguidores que lhos queriam arrancar, Menezes poderá ser vítima da estratégia. Não quer fazer grandes ondas para que o povo não tema a mudança, mas isto é esquecer a cantilena: para melhor está bem, está bem/ para pior já basta asssim. 2) O que diria Paulo Portas se um ministro socialista tivesse fotocopiado ( ou digitalizado, tanto faz) dezenas de milhares de documentos dias antes de sair do ministério? Que a Defesa Nacional não é uma casa de fotocópias, que em política o que parece é, que um ministro não é um estafeta, que um ministério não é um couto privado, etc. E diria bem.
Por que razão Ricardo Silva, que entrou de sola sobre Cardozo enviando-o para o estaleiro, não aparece na coluna do "menos" no jornal "Público"? Porque não se chama Binya, não é preto nem é do Benfica.
posted by FNV on 1:03 da tarde
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ODI ET AMO (L):
De há quarenta anos para cá crescemos fora de casa. Nas creches, literalmente, desde os três meses de idade. As comunidades tradicionais ainda perpetuaram os velhos hábitos, por necessidade dos rebanhos, mas até elas vão desaparecendo.
Parece-me natural que tenhamos perdido o laço que nos unia à família e aos mais velhos. A casa transformou-se, ao contrário do que pensava Augé, num não-lugar: anódino porque secundário aos nossos principais compromissos e tão transitório quanto as pessoas que por lá vão passando. A nossa lealdade vive fora de casa, disponível para o mercado e para as experiências brilhantes e atraentes.
posted by FNV on 11:34 da tarde
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NIL MEDIUM EST:
Talvez seja culpa da minha costela republicana, mas gostei mais da resposta de Zapatero do que da do Rei. Para além disso, não gosto de ordens dadas em tom de pergunta.
posted by FNV on 9:58 da tarde
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ODI ET AMO (XLIX):
"As mulheres divorciadas têm dificuldade em ter namorados por causa dos filhos", explicava-me um jornal no outro dia. Ao que parece, os meninos vigiam e controlam, as senhoras sentem-se culpadas mas ansiosas por serem "livres de novo".
Conheço uma senhora que teve três namorados ao longo do casamento e ainda assim criou quatro filhos. Esta mulher trabalhava durante o dia e divertia-se com o namorado ao final da tarde; depois ia para casa, ajudava os filhos nos trabalhos da escola, punha o lombo a assar no forno, arrumava a cozinha e deitava-se ao lado do marido. Quando os filhos cresceram, divorciou-se. Não se lamentou, não deu justificações. Nuncaquis ser livre.
posted by FNV on 11:19 da manhã
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UMA FRANQUEZA DESARMANTE:
Clara Ferreira Alves sobre Santana Lopes, que em tempos a nomeou directora da Casa Fernando Pessoa: "Não estuda, não se prepara, não sabe decidir". No "Eixo do Mal", na SIC-N, hoje.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.