LETRAS A MAIS: Um tema interessante foi lançado pelo Abrupto, tendo sido comentado e discutido pelos Marretas: a desvalorização social que existe em Portugal das chamadas "ciências duras". Esta situação tem graves custos para o país, que se encontra actualmente pejado de advogados - o bastonários da Ordem referia ontem que a Áustria tem 3.000 advogados, a França 30.000, existindo em Portugal cerca de 20.000 -, de professores desempregados (destino de muitos dos formados em Letras) e de gente com formação universitária na área das "ciências humanas e sociais" em situação de sub-emprego. Para lá das razões culturais e intelectuais imputáveis à comunidade científica e universitária (discutidas pelos blogs citados), este estado das coisas tem consequências.
Há uma clara desadequação entre a formação universitária ministrada e o mercado de trabalho e, o que é ainda mais grave, entre os conhecimentos da maioria dos licenciados e a formação necessária para a modernização da nossa estrutura produtiva e consequente alteração do nosso modelo de desenvolvimento económico e social. Ou seja, temos gente formada a mais nalguns sectores e não temos recursos humanos qualificados nas áreas de ponta (tecnologias de informação, biologia e bio-tecnologia, telecomunicações por exemplo) necessários para que investigação e empresas que produzam produtos ou serviços de valor acrescentado vão surgindo.
Este fenómeno resulta da conjugação da desvalorização do ensino técnico e da massificação das licenciaturas, que assentaram que nem uma luva nas ambições individuais e familiares (perfeitamente legítimas e compreensíveis, aliás) da classe média em ter um doutor na família, típicas de sociedades anti ou pré liberais, muito estratificadas socialmente e que dão excessiva importância às hierarquias, mesmo que informais. O sistema de ensino foi, no pós 25 de Abril, reformado e preparado para satisfazer estas ambições, criando este enviesamento.
O cerne do problema chama-se Matemática. No afã de perseguirem um título universitário, muitos meninos (com a complacência da família, o que é natural, e, mais grave, do sistema de ensino) contornaram olimpicamente esta disciplina a partir do 9º ano. Ora, o raciocínio matemático é, quer se queira quer não, fundamental para o desenvolvimento de capacidades científicas ou técnicas na esmagadora maioria das áreas do conhecimento humano, inclusivé aquelas que tradicionalmente se designam por "humanidades". Temos assim um país carente de matemáticos, químicos, físicos, biólogos, informáticos e engenheiros que está cheio de advogados e letrados que não fazem a mínima ideia do que é uma série, uma derivada ou um integral, ou umas pequenas luzes sobre o que é a linguagem binária, suporte deste texto.
Esta situação demorará, necessariamente, algum tempo a ser superada, mas pode-se ir fazendo qualquer coisa: por exemplo liberalizar e flexibilizar o mercado de trabalho, instilando um sentido e uma necessidade de risco e de permanente formação (inclusivé em áreas diferentes da nossa licenciatura). É que por aqui não vamos lá.
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