BULGAKOV: Sempre que vivo uma tarde pardacenta (ou parafraseando Tímon, que lá que parece pardacenta, lá isso parece), atiro-me aos meus russos. Com algum esforço, tenho ao longo dos anos ultrapassado o desprezo com que as editoras portuguesas tratam os menos conhecidos, ou a incompetência com que brindam os nomes sonantes. Andei hoje ás voltas com uma óptima edição do teatro completo de Puhskin, da Flammarion (com a tradução a ser supervisionada por Troubetzkoy), e lembrei-me de um seu admirador, ao que julgo saber não traduzido, nem bem nem mal, cá na paróquia. Trata-se de Mikhail Bulgakov, um personagem deveras extraordinário, médico e morfinómano, que começou por servir nas fileiras do czar e acabou a receber um telefonema de Estaline. Ao contrário de cães como Maiakovsky, Bulgakov nunca cedeu à pátria, e durante grande parte da sua vida não viu uma única obra sua publicada no circuto oficial. Escreveu um ensaio dedicado a Puhskin no ano em que morre, 1940. Curioso é verificar como ambos sofreram da clemência dos tiranos. Pushkin é associado em 1826, pelo chefe da polícia política do czar Nicolau, conde Benkendorf, à revolta dos decembristas,no ano anterior, ligada à morte de Alexandre I. O czar chama-o ao Kremlin e perdoa-lhe, mas será vigiado o resto da vida. Bulgakov passou o mesmo, passou a vida vigiado e a escrever a Estaline, rogando-lhe que o deixasse sair do país: por sorte, morreu antes das grandes purgas. Ambos continuaram no entanto escrever, e a interrogar-se porque é que tudo o que é magnífico no Homem, tem por companhia obrigatória, o sofrimento, o crime e a mentira.
Podendo, voltarei aos russos ( e a Bulgakov), e às inexistências editoriais a eles associadas neste nosso Portugal.
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