DISCORDÂNCIA: Relativamente ao post Revanchismo (2) do passado dia 15 de Julho, recebemos do nosso amigo socialista Fernando Rocha Andrade o seguinte e-mail:
O post de NMP de hoje (9:41 AM) parece indicar que, além de uma esquerda que se dedica a disparar para cima dos EUA por tudo e por nada (e ela existe, de facto), há uma direita que não consegue digerir uma criticazinha ao Presidente Bush; esta facção da direita, pelos vistos, tomou conta do "Bom"bordo do Mar Salgado, a julgar pela forma como NMP salta em cima de uma frase de Vital Moreira que, goste-se ou não do teor geral do artigo, tem o mérito de ser verdadeira - e certeira. Existe uma esquerda que não tem necessariamente uma visão pistoleira dos EUA, embora possa desconfiar desta administração - e creio que essa esquerda não sou só eu. Parte dessa esquerda aceitou a intervenção no Iraque na base do cenário que lhe foi apresentado - a necessidade (quase "legítima defesa") de remover um ditador dotado de armas que o capacitavam para lançar no caos uma região de importância estratégica fundamental para o mundo. Esse argumento, acrescendo à violação das resoluções da ONU, permitiu-me ultrapassar interiormente as objecções óbvias: criaram-se os perigosos precedentes da "intervenção unilateral" e da "guerra preventiva". Os cidadãos que tiveram um raciocínio semelhante ao meu (e, no Reino Unido, foram muitos), não podem deixar de se sentir hoje, como afirma Vital Moreira, intrujados.
Podemos argumentar que as atrocidades de Saddam justificavam, só por si, a invasão. Mas este é um raciocínio escorregadio, pois não faltam no mundo ditaduras a merecer, nos mesmos termos, ser removidas. Apoiaremos todos a invasão da Birmânia pela China, ou da China pela Rússia, para afastar regimes repressivos? Podemos argumentar que o Iraque está melhor sem Saddam do que com Saddam. Mas ainda é cedo para afirmar isso, pois não sabemos qual o regime que vai emergir da ocupação nem o efeito que a invasão vai ter, a longo prazo, nas opiniões públicas do Iraque e do restante Médio Oriente.
Todavia, a questão em causa não é esta. Como frisou Wolfowitz, havendo vários argumentos para a invasão do Iraque, os EUA e o Reino Unido optaram pela questão das armas de destruição maciça. Foi esse argumento que foi apresentado às opiniões públicas, aos parlamentos e aos outros governos (como o português). Foi com base nesse argumento, assente em certezas aparentemente inabaláveis, que estes estados formaram as suas decisões democráticas.
A questão fundamental é, portanto, esta intrujice. Intrujice que pode ter sido deliberada ou consistir apenas em transformar conjecturas em certezas para
consumo público. Mas esta intrujice é uma perversão da democracia na qual assenta, precisamente, a nossa suposta autoridade moral. Como afirma recentemente Stanley Hoffmann na NYRB, "the shrinking of democracy at home does not go well with the spread of democracy abroad".
Quem acreditará no Ocidente na próxima vez que uma intervenção for realmente necessária?
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