O COMBOIO ASCENDENTE: Ao contrário do Aviz, eu adoro Paris. Cidade onde passei alguns dos meus melhores dias. Por isso segui com atenção, inveja e saudade as crónicas que o José Mário Silva foi enviando da cidade-luz.
Mas o Aviz publica um bonito post saudosista dos tempos das viagens no Sud-Express e da intensa actividade de inter-rail. Nunca mais me esqueço que a primeira vez que saí do país sózinho (com 12 anos) foi nesse comboio mítico. Pejado de famílias de emigrantes que voltavam à labuta ou iam visitar os seu familiares ao bidonville. Que transportavam toneladas de bagagens, farnéis de alimentos e recordações das suas terras. Que ocupavam todos os poucos espaços livres nos compartimentos-cama.
Não dormi a noite inteira. Debruçado na janela, ia aos poucos descobrindo outro mundo ao meu alcance. Ao contrário do avião que já havia experimentado, o comboio transformava cada árvore, cada casa, cada paisagem, aldeia ou cidade num momento de revelação, de novidade. Era uma experiência simultaneamente mais realista e mais romântica.
Lembro-me vivamente da paragem em Miranda del Ebro às 4 da manhã. Numa estação onde não havia vivalma. Das outras paragens em Espanha, onde não entrava nem saía ninguém. O que interessava era passar essa imensa terra deserta, da mesma condição que a nossa: de onde se fugia.
Recordo a chegada a Hendaye e a mudança de carris, largando a bitola ibérica, deixando para trás com ela a Europa sub-desenvolvida. O que resultara um século antes de imperativos militares marcava, para mim, o acesso à Europa dos ricos, dos que viviam bem, dos que tinham dinheiro, boas estradas, boas escolas e hospitais, muitos museus, teatros e cinemas, boas casas, bons carros e cidades conservadas e arrumadas. Três anos mais tarde aderimos à CEE.
É por transportar esta viva recordação comigo que, apesar das Constituições Europeias, da PAC e demais engulhos eurocráticos, ainda hoje mantenho uma visão idealista e romântica da Europa.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.