O ÚLTIMO JUDEU: Não sou jurista, por isso só me interessa a simbologia da coisa. Um juiz, no caso Casa Pia, recorreu a uma formulação que se designa "declarações para memória futura", segundo compreendi, básicamente, para que os testemunhos prestados em fase de inquérito não abandonem amnesicamente os seus donos, quando se realizar o julgamento. Não sabia que existia esta figura jurídica, acho-a interessante. Sabia isso sim do rumor segundo o qual o último sobrevivente de Plock, pequena cidade sobre o Vístula,a 120 Km de Varsóvia, é um judeu mudo. Antes da guerra, dos russos e dos nazis, Plock contava à volta de 30.000 habitantes, de onde um terço judeus. Plock era uma cidade típica do modo de vida dos judeus da Europa oriental, a yddishkeit. E o tempo e o espaço não tem o mesmo valor na tradição judaica. No caso, a destruição física de um mundo juntou-se à anulação da propria representação desse mundo. Também a vida anterior à evocação é abolida. Há coisas cuja destruição é tão terrível que a simples evocação (representação) de como as coisas eram antes se torna impossível.
Nem memória nem esquecimento: talvez por isso o último judeu de Plock seja mudo. É que a narrativa do tempo traz-nos de volta o ruído e o calor de como as coisas eram antes, e também isso teria de ser narrado. e isso, seria insuportável. Mas mais: o discurso do tempo é feito para conferir ao passado um espécie de inteligibilidade. Ora, há coisas que não são inteligíveis, como o genocídio de Plock. Falar, recordar, seria uma traição.
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