ASSIM: Ouço, pela noite dentro, na TSF, o ex-embaixador do Iraque na ONU a dizer que a culpa da morte de Vieira de Mello é da ocupação americana: se os americanos não estivessem lá, Mello não teria morrido.
Ainda não ouvi, outros cônsules, dizer o mesmo, ou talvez ouça. A lógica é irrebatível. A TSF, no mesmo noticiário das 2h da manhã, não referiu o atentado de Jerusalém. Seria interessante justapôr a lógica. Aqui, a culpa terá sido talvez do motorista do autocarro, ou das mães que deixaram os seus filhos fazer aquele branco trajecto. Ou talvez do próprio autocarro: se ele não existisse, a Jihad não teria lá posto a bomba.
Infelizmente, a caminho dos 40, ainda não estou em idade de indignações. O que já passei, o que já vi passar, e o que há-de vir, obriga-me a recolher caminho e a apanhar tojo. Sempre que a tentação me assalta, lembro-me de uma doente minha, a suplicante, que já velha viu morrer a filha única, e razão da sua vida, de cancro. Vive, ainda hoje, numa vilazinha beirã, onde se faz queijo e se come bacalhau, numa casa com um marido dentro. E vive, mirando o pratinho de barro vidrado que a filha, professora, trouxe de uma excursão a Mértola, perguntando porquê. Não deixa escapar uma sílaba de revolta, continua a aceitar Deus.
A indignação é um direito silencioso que só aos virtuosos é concedido exercer. Por isso não as ouvimos, as crianças de Jerusalém.
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