UMA BELA QUESTIO II: O lobo do mar P.C., talvez ainda incomodado por ter inadvertidamente poisado o olhar nalguma crónica do Prof. Espada, desliza para uma confusão por certo acidental. Libertários e libertinos não são a mesma coisa. Os liberais têm horror aos libertários, quem tem horror aos libertinos são os puritanos, de qualquer espécie, como Orwell bem mostrou. Não convém esquecer que Sade foi incomodado pelo ancient régime, mas foi preso pela revolution. Adiante. O que agora nos ocupa é a resposta em itálico irónico que P.C. dá ao seu enigma: os liberais têm horror aos libertários porque a liberdade é para ser gozada com juizinho.
Satisfazendo o desejo de sangue do meu caro P.C., substituo o itálico: a liberdade é para ser gozada com muito juízo.
Nem sequer irei pela estafada fórmula a liberdade total dos lobos equivale à morte total dos carneiros, pois que P.C. por tal não a discute. Já a expressão juízo, remete-nos para discernimento, ponderação, cautela no uso da coisa. Berlin distinguiu liberdade positiva, a liberdade para(fazer, propor, mudar) da liberdade negativa, a liberdade de(de resistir ao que nos querem impôr).Ao contrário do que lêem alguns leitores apressados, como João P.Coutinho, Berlin não desprezava a liberdade positiva. Muitas das conquistas modernas ( o voto universal, os direitos das mulheres, a protecção do ambiente) foram fruto do uso da capacidade de uns em persuadir outros, em plena civilização capitalista-liberal. O que Berlin temia era uma particular utilização da liberdade positiva: uma possível boa intenção resultando num funesto enterro. Ou, regressando a Kant, que ainda consta no index prohibitorium tanto do Vaticano como da gauche revolucionária, uma fórmula que obriga a considerar os homens como meios, e não como fins.
Um episódio na batalha de Estalinegrado, reúne, tal como Antígona, os elementos constituitivos da fragilidade dos laços morais naturais face à cultura megalopata do Estado. Ainda na fase em que o 6º exército de Von Paulus dominava a situação, Estaline, via Beria e Krutchov, deu a ordem: ningúem retira. Assim, naquele Inverno de 42, grande parte dos 120.000 civis de da cidade foram morrendo, sobrando milhares de crianças. Estas habituaram-se a fazer pequenos favores aos senhores da situação, as tropas alemãs, em troca de água e rações de combate. Quando a NKVD soube, ordenou, agora via Estaline, que todo o soldado soviético que visse um miúdo russo a fazer fretes às posiçoes alemãs, tinha por dever patriótico puxar do gatilho. Compreende-se a situação dos frontovik: um pequeno Igor podia levar a uma barricada nazi uma informação que custasse a vida do soldado soviético ou dos seus camaradas. Do outro lado, o medo, esse motor de busca da alma humana: quem vacilasse era abatido pelos destacamentos especiais da NKVD, in situ. Mas mais impressionante são as descrições( descobertas após a abertura dos arquivos da KGB) dos oficiais e sargentos que obedeceram às ordens de Estaline: já não sou nada.
Este post já vai longo, a discussão continuará, talvez. Quando, e se regressar, de 10 dias de praia com as crianças, chamarei o velho Freud e o seu incontornável ( e mal-amado) O mal-estar na Civilização, à colação.
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