DIFERENÇA: Entre sexos, no caso. Uma das vantagens de passar grande parte do meu tempo no consultório é que aprendi, literalmente, a admirar as mulheres. A elegância com que encornam os maridos é infinitamente superior à desfaçatez egoísta com que estes o fazem. Uma doente minha já vai na 3ª relação extra-conjugal, expressão que aliás nunca utiliza. E muito bem. Que raio é isso de extra-conjugal? Uma notícia de fecho de edição? 200 gramas de pizza grátis? E depois o pudor: tenho uma pessoa, estou envolvida com alguém, quase um encontro místico. La Rochefoucauld, sempre certeiro, indagava se a violência que a infidelidade exige valerá menos do que a necessária para nos mantermos fieis. A essa mulher, quarenta anos de loura, disse-lhe eu uma vez que a civilização ocidental tem muito a ganhar com mulheres que enganam os maridos á tardinha, á noite dão banho às crianças e assam o lombo para o jantar. Os petizes crescem, sadios como os psicólogos ordenam, e eles adormecem, retemperando forças para mais um dia de trabalho.
Mas não só dos lençois. Ao fim e ao cabo, com mais ou menos emancipação, com esta ou aquela excepção, a mulher mantém um sentido de responsabilidade brutal. Sei que por vezes são aspectos bem materiais que as dissolvem no sacrifício de aturar imbecis. Mas hoje, em incontáveis casos, são mulheres materialmente independentes que fazem escolhas que nenhum homem seria capaz de fazer: ficar porque há crianças. A independência material desmentiu o mito que as mulheres ficavam porque não tinham para onde ir. É verdade que o divórcio aumentou muito nos últimos 27 anos (vg Divórcio em Portugal de Anália Torres) mas não tanto quanto seria de esperar se a única amarra fosse a dependência material.
A capacidade de pensarem para lá de elas próprias é uma derradeira prova que o vínculo civilizacional essencial está na capacidade de amar (aqui mascarado na maternidade) e não no objecto do amor. De qualquer modo está nas mulheres, depositárias do vínculo original. Descansem as feministas de serviço, não é a sagrada maternidade que elas respeitam: elas criam um laço e um ritmo que percebem transcender as suas possibilidades. Projectam assim no tempo, um arranjo do qual fazem parte, incluindo hoje em dia, alegremente, o seu proprio prazer. Um homem declarará outras prioridades, exteriores à sabedoria. Regressando a La Rochefoucauld, resta aos machos a homenagem que o vício presta à virtude.
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