NOVO RECRUTA NA BVP (BRIGADA VITORIANA PORTUGUESA): Os Profs. João César das Neves e João Carlos Espada devem ter rejubilado durante este fim-de-semana, com a auto-apresentação, pública e voluntária, de mais um membro nas suas fileiras.
A propósito da alegada clientela ilustre dos prostitutos (note-se bem, dos prostitutos) do Parque Eduardo VII, li ontem um texto, intitulado O Parque Eduardo VII (para ingressar na Brigada Vitoriana Portuguesa, nada melhor do que este título), de que transcrevo, sem descontextualização alguma, o seguinte excerto (destaques meus): "E, independentemente da questão de saber se essas personalidades cometeram ou não crimes (dado alguns dos jovens serem muito novos), há uma questão para mim mais inquietante. Que é a seguinte: onde estão e o que fazem hoje esses clientes do Parque, que procuravam furtivamente prostitutos entre as árvores? Onde estão e o que fazem essas figuras públicas que se escondiam para não ser vistas, que por vezes se disfarçavam para não ser reconhecidas? Essas pessoas não podem deixar de ter taras, problemas, descompensações. Não podem deixar de estar carregadas de traumas, recalcamentos, mazelas. Ora, será que essa gente nos governou ou nos governa? Que fez ou faz opinião nos jornais, na rádio ou na televisão? Será normal que um político que toma decisões em nome de um país ou um colunista que influencia milhares de leitores ande disfarçado atrás de jovens no Parque Eduardo VII?
E não o digo por razões morais - embora fosse legítimo fazê-lo. Digo-o porque estes frequentadores do Parque (...) não podem deixar de reflectir os seus problemas na actividade que exercem. Não podem agir e reagir de forma inteiramente normal. São forçosamente pessoas cujas humilhações sofridas em vidas paralelas marcam as suas vidas reais. Ora isto faz delas seres imprevisíveis. Seres incapazes de nos dar tranquilidade e confiança". Este arrazoado foi escrito por alguém que, até ontem, eu respeitava (embora muitas vezes dele discordasse) como homem sereno, tolerante, ponderado e liberal. Chama-se José António Saraiva e é director do Expresso.
O texto de JAS fala por si. Mas podemos condensá-lo assim: mais do que a questão de saber se as alegadas personalidades ilustres cometeram crimes sexuais contra menores, interessa saber se as personalidades que procuraram sexo furtivo com prostitutos jovens tiveram ou têm uma intervenção político-social relevante. Porque essas pessoas são, "forçosamente", anormais, marcadas pelas suas "taras", "recalcamentos", "descompensações", "traumas". E, por isso, imprevisíveis, e incapazes de nos dar tranquilidade e confiança. E daí, inquisitória, a pergunta repetida: "onde estão elas?", que é como quem diz, "quem são os anormais?".
A pretensa ligação entre este "vício privado" (recorde-se que JAS expressamente afasta das suas preocupações o problema jurídico-criminal) e o perigo público é, evidentemente, uma construção puramente ideológica e, na verdade, de uma ideologia puritana insuspeitadamente revivescente (para uma visão diametralmente oposta ao que aqui sustento, vejam-se os posts do Mata-Mouros sobre "A Homossexualidade e os políticos", especialmente o post IV).
Ficaria JAS preocupado se as mesmas personalidades frequentassem, sem cometerem crimes, bordéis ou escort services de jovens prostitutas? Nunca ficou - ou isso não existe? Ficaria JAS preocupado se as mesmas personalidades tivessem amantes mais ou menos secretas e fossem, por isso, mais ou menos vulneráveis a chantagens? Nunca ficou - ou isso também não existe? Exigiria JAS saber onde estão e quem são as personalidades (da política, das artes, das letras, do desporto) que consomem compulsivamente, contraindo dívidas incomportáveis pelos respectivos patrimónios e expondo-se assim à tentação dos negócios escuros? Nunca exigiu - mas, se calhar, isso também não existe. Podíamos prolongar a retórica de JAS com exemplos imaginários: será normal que um conhecido colunista (ou médico, ou professor, ou advogado, ou engenheiro, ou administrador de uma empresa pública, ou qualquer outro profissional com "responsabilidades sociais") se disfarce para contratar uma jovem prostituta? E, supondo que isso não é normal, será o comércio sexual venal ou o acto do disfarce um facto tão interessante (e tão importante) para a opinião pública? Será que, por esse facto, o visado deixa de pensar, de operar, de ensinar, de advogar, de desenhar, de administrar com competência?
Como JAS deveria saber, a invasão da esfera privada das pessoas só se justifica em duas situações: pelas autoridades, quando há suspeita de crime, e pela imprensa, quando a conduta colide frontalmente com a intervenção política ou social do actor na esfera pública (e aqui, de Profumo a Clinton, as nuances são incontáveis e discutíveis; aliás, se bem me lembro, no segundo caso, JAS escreveu, e muito bem, que o problema de credibilidade não estava no affair, mas na mentira sob juramento). Mas não se justifica por JAS sentenciar que os clientes de prostitutos jovens são pessoas anormais e, portanto, inconfiáveis.
Se este tipo de discurso infecta o director do principal jornal português, nada de bom se avizinha. No fim de contas, talvez Oscar Wilde tenha tido sorte em ter vivido no século XIX.
A todos, as minhas desculpas pela extensão do post.
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