O HAMAS NA LISTA DOS MAUS: Os ministros dos negócios estrangeiros dos Quinze decidiram incluir o Hamas na famigerada lista de pessoas e organizações terroristas execradas pela UE. A pertença a esta lista, ditada pelos governos dos Estados-membros, acarreta uma série de consequências de natureza materialmente penal, que, normalmente, só poderiam ser ordenadas por um tribunal. Mas agora estamos em contínuo estado de excepção e, por isso, ninguém se incomoda.
O Hamas é um grupo político palestiniano, cujo "braço armado" (Hamas-Izz al-Din al-Qassem) já constava da anterior versão da lista, precisamente como "ala terrorista do Hamas" (o que faz supor que, até sábado passado, a UE distinguia entre um Hamas-terrorista e um Hamas-não terrorista). Escassas horas após o conhecimento da decisão dos Quinze, o governo israelita celebrou o acontecimento à sua maneira, disparando um míssil sobre o prédio onde se reunia a cúpula política do Hamas, sob a égide do sheik Ahmed Yassin. Yassin já foi odiado por Israel, esteve preso duas vezes (uma condenação em prisão perpétua), foi libertado outras tantas; depois, graças ao corte de relações com Arafat, caiu nas graças de Sharon como aliado útil. Agora é, de novo, um homem morto a prazo.
As listas, sejam de terroristas ou de compras, são dispositivos cómodos. Servem, a quem as faz, para associar elementos através de um qualquer elo que se constrói para o efeito: o leite e o insecticida, tão diversos entre si, juntam-se na mesma lista quando queremos comprar ambos. Mas se decidirmos não comprar um dos produtos, a associação que construímos desfaz-se.
Das listas de organizações terroristas constaram já o ANC e a OLP. Mandela e Arafat foram depois, em anos consecutivos, prémios Nobel da paz e lideraram as suas nações, legitimados por eleições livres e pelo reconhecimento internacional. Os movimentos independistas das ex-colónias portuguesas (Fretilin, MPLA, PAIGC, PAICV, Frelimo) eram considerados organizações terroristas; os seus dirigentes são (ou foram já) chefes de Estado e recebidos como tal. Isto para não nos alongarmos nas centenas de casos em que a comunidade internacional não consegue decidir-se pela classificação de outros movimentos independistas como genuína expressão do direito de um povo à auto-determinação (os "bons") ou como perigosos terroristas (os "maus"), seja porque os interesses político-económicos em jogo são escassos, seja porque não é claro qual o lado que sairá, a prazo, vitorioso. Não foi certamente por acaso que a Conferência de Roma não logrou alcançar um consenso que permitisse incluir o terrorismo no catálogo dos crimes que caem sob a jurisdição do TPI.
As listas são assim, volúveis. Como o apetite. Se já não me apetecer leite e o tirar da minha lista, ninguém me convencerá de que o Gresso e o Raid têm algo em comum. Resta saber se o direito (enquanto instância de validade da punição do terrorismo) tem alguma coisa a ver com isto.
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