SEM FALTA: De que fala uma mulher, sózinha, quando o imbecil que a espancou durante anos se sumiu nos meandros das estufas suiças, súbitamente assaltado pelas delícias da emigração?
Entre outras coisas, fala do que sabe, e do que não vê nas novelas que tresvê. Os seus filhos não são louros nem espertos, a sua casa em Currais-de Baixo não é como as da TV. Não sabe cantar nem representar, profissionalmente. Nenhum Valentino da Musgueira se interessa por ela, por volta dos trinta apercebe-se enfim, que a sua vida não vem na revista Maria.
Os 400 euros que ganha no Lar de velhos onde trabalha, não lhe dão alento para conhecer Séneca, nem para ouvir Marcelo na SIC. Tudo o que se fala, no cimento e no autocarro, é-lhe finalmente familiar: não lhe diz nada. Os dois garotos que o marido lhe deixou, ranhosos e refilões, têm pouco a ver com as crianças apetecíveis da revista Pais-e -Filhos.
Não é gay nem cigana, tão pouco morre à fome. Nenhuma associação a defende, pertence à maioria silenciosa dos que venceram a vida à custa de ultra-congelados, champô Kitoso e fluoxetina.
É no entanto, um dos melhores emblemas da esquizofrenia ocidental ( isto sem cedências a Guattari): vive no limbo que dela se alimenta.
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