SUPREMUM VALE II: Nestas deambulações sobre morte e encobrimento, ficou, da semana passada, uma ou outra coisa por dizer. Tenho aprendido que quem perde alguém lentamente, organiza a memória de forma diversa da de quem perde alguém de rajada.
Um elefante apresenta-se desde logo à porta: as últimas recordações são penosas, insuportáveis. Mais de perto, a coisa assume contornos delicodoces, pois a memória dos últimos tempos, dos últimos cheiros, das últimas pálpebras, é ao mesmo tempo a última, e por tal de valor inestimável. É aqui que o cancro opera uma mutação amável: o sobrevivente decide que quem está a morrer-lhe, já não é quem vivia.
Tolstoi conta muito bem isto num diálogo entre um Ivan Ilich moribundo e a voz, do ópio que bebeu. Ilich explica à voz, que já não consegue lembrar-se das boas coisas por que passou, que elas lhe parecem ter sido vividas por outra pessoa qualquer.
Quando um bloco de tempo depois, em golfadas, começamos a recordar os últimos dias de quem amavamos, deparamo-nos com um dilema: recordaremos os dias bons e pujantes ou os dias da miséria? Os meus doentes preferem, como Ivan Ilich, pensar o viajante como ele era antes da viagem, não reconhecendo no ser emaciado e babugento, quem antes os fazia rir e respirar. Assim a memória, como a doutrina, divide-se: a mãe ou o marido saudável, é de quem se lembram, quem definhou foi outra pessoa qualquer.
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