TUDO COMO DANTES II: Existe apesar de tudo no referido artigo de Helena Matos algo de estranho, de quase tão absurdo quanto a tese de Manuel Alegre segundo a qual vivemos agora pior do que no tempo da ditadura, porque o inimigo é invisível. E não é o ódio, que o Natureza do Mal melhor faria em perscrutar noutras paragens, é a amnésia.
Conheço de gingeira as tentativas que o PCP fez, no pós-25 de Novembro, para equiparar o Estado Novo ao verdadeiro fascismo, preocupando-se de súbito com as liberdades individuais quando nunca deu ( nem dá)um chavo por elas, noutras terras e noutras histórias. Mas o problema é outro. Prezo a memória, tanto individual e colectiva, e há aspectos do artigo de Helena Matos que iludem a realidade. Ignorando a tagarelice (para ser educado) de Manuel Alegre, convém recordar que houve de facto em Portugal entre 1926 e 1974, uma polícia do pensamento. Claro que ninguém se arriscava à deportação por ser apanhado a ler Tolstoi, mas os seus efeitos foram devastadores. Ainda hoje em Portugal, a palavra discussão tem uma conotação negativa, ainda hoje sofremos com a reverência à pequena autoridade, ainda hoje temos medo de dizer ao empregado que o jantar estava uma merda.
Talvez a PIDE tratasse de modo diferente o trolha ou o frequentador da Brasileira, mas o simples facto de anular qualquer resquício de inteligência não conforme ao ideário provinciano-tradicionalista do regime, foi letal para Portugal. A maior parte dos herois foram comunistas que não nos teriam trazido nada de bom se tivessem vencido, e meninos (com excepções) que perante uma comissão na Guiné, descobriram de súbito as delícias transfugas da luta contra o colonialismo.
Ou seja, o mofo e o medo que o regime cultivou, impediu uma luta no terreno não-comunista. Obrigou universitários, músicos, filósofos, a emigrar, sangrando o país de uma elite intelectual e culturalmente pujante. E pior, quando alguns deles regressaram, tiveram de travestir-se de revolucionários para não serem apelidados de fascistas ou de agentes do imperialismo americano. Este fardo, Helena Matos escamoteia no seu artigo. Nesses tempos, por mais conjuntural e estranha que fosse a situação, havia de facto bons e maus.
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