UNDERCOVER: O tempo, esse grande escultor, como cravava Yourcenar, para lá de manipular a nossa distância face à marca que ele próprio nos deixou, é também um grande sedutor. Se a frase de Yourcenar nos faz lembrar irremediávelmente uma falésia trabalhada ao longo de milhões de anos, escapa-nos por vezes a outra face. A falésia é sedutoramente bela, e nessa altura nunca nos lembramos do trabalho do tempo. Assalta-nos um poente sanguinolento, a força mansa das vagas, o joelho da mulher a nosso lado.
É essa a marca dos grandes sedutores: criarem o cenário que disfrutamos, deslumbrados ou derrotados, fazendo-nos pensar que o essencial está diante dos nossos olhos. Num grande amor, como numa grande perda, o que mordemos nunca é o mais importante: só sobrevivendo-lhes acertamos as contas com o criador do cenário.
Por isso, numa cidade massacrada por um bombardeamento é tão importante voltar a afixar o letreiro com o preço do pão. Por isso, um miúdo que perdeu o pai nunca pergunta à mãe porque que é que ela está a chorar. Quando conhecemos o sedutor, perdemos a inocência.
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