MANUAL DE INSTRUÇÕES: Em conversa amena com um amigo, que há ano e meio aconselha o ministério da Educação, escutei uma coisa extraordinária. Falávamos da contestação estudantil organizada que se advinha, e da possibilidade dessa contestação assumir contornos específicos, como aliás prometeram algumas associações de estudantes: cortes de estradas e auto-estradas, perturbações do funcionamento das cidades, etc. É nessa altura que esse meu amigo conselheiro me diz isto: É o PCP que está por detrás disto, mas basta prender dois ou três estudantes, que a coisa se resolve. A opinião pública está contra eles. Vamos por partes:
Duvido que a contestação venha a assumir tais contornos, mas este conselheiro, pura e simplesmente não acredita que tal que possa acontecer. E o primeiro erro advinha-se: nestas andanças temos de equacionar todas as possibilidades, porque de facto todas são possíveis. Depois, só alargando a nossa capacidade de advinhar a zona de incerteza da movimentação adversária é que podemos não ser apanhados em contra-pé.
Em segundo lugar, este conselheiro vive no passado. É certo que o PCP ainda controla algumas franjas das movimentações estudantis, mas estas já se entregaram con alegrezza à influência do Bloco de Esquerda, e da ala mais à esquerda do PS, tudo gente atraente e desempoeirada. Novo erro, o da identificação dos comandos adversários, logo dos seus objectivos e métodos. Por fim, a extraordinária ideia segundo a qual prendendo dois ou três estudantes a coisa resolve-se. Novo erro, colossal, até porque resulta da acumulação dos erros anteriores.
Disse que duvidava que a contestação venha a assumir contornos violentos porque duvido da inteligência estratégica dos seus promotores. Mas se os rapazes analisarem bem as coisas, o confronto muito musculado terá inevitavelmente de ocorrer. Vamos de novo por partes:
As associações de estudantes têm contra si a dificuldade de mobilização, os tempos de hoje e as características dos actuais estudantes assim o obrigam, e alguma dissensão interna, facto natural dada a sua dispersão pelo país e pelas escolas.
A opinião pública ( coisa hoje pouco identificável) talvez acolha a ideia, que os estudantes são na sua esmagadora maioria meninos ricos, que querem poupar nas propinas o que lhes faz falta para as noitadas. Para além disso, o vulgo está distraído de outros protestos, como seja o da redução do peso da representatividade estudantil nos orgãos universitários.
Ora, estes dois factores apontam não para uma suavização da luta, mas precisamente para o seu endurecimento: um corte de estrada faz-se com apenas um punhado de capas e batinas. E depois, se já estão mal vistos, a crítica não poderá acrescentar grande mossa.
Temos de seguida outros dois factores, estes claramente positivos, que encorajam o endurecimento do protesto: o primeiro, o governo está fragilizado, o que me parece evidente, e precisamente numa das áreas de acção dos estudantes. O segundo factor prende-se com a cumplicidade mediática, daí o controlo do Bloco de Esquerda, com muito mais peso nas redacções dos media de referência, do que o PCP. Um telejornal a abrir com um estudante com a cabeça rachada ou pior ainda, a ser levado para dentro de uma carrinha da polícia fará maravilhas pela luta. Se no dia seguinte, o Público, por exemplo, contar e mostrar como três estudantes ficaram com dois arranhões, melhor ainda.
Por tudo isto, se forem inteligentes, os estudantes levarão a luta para a rua. É o único terreno em que podem vencer, é o único terreno em que o adversário não quer lutar. O governo abrirá mão, pelo menos provisóriamente, das propinas e de um ou outro detalhe, em troca de sossego. A opinião pública, por essa altura, já estará atenta a outros circos e farta de regabofe.
Resta saber o que verdadeiramente se pretende com tudo isto, mas tal ficará para outra ocasião.
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