ACERTOS BREVES É curiosa a reacção na imprensa e na blogosfera ao texto apressado de Vasco Rato sobre o aborto. Já aqui há uns tempos eu tinha escrito que qem me cataloga como de direita teria de se haver com o meu voto favorável à descriminalização do aborto e do uso da cannabis, e ao casamento de homossexuais. Aqui na nau, houve quem pensasse que eu era a favor do aborto: não sou.
Não é manifestamente possível discutir aqui a fé nem os limites da frequentemente mal interpretada neutralidade do estado liberal. Também não há espaço para analisar a posição que a escola de Friedman e de Pollock têm para com a liberalização de certos comportamentos, desde que depois as consequências não sejam suportadas pelo estado: Friedman defendeu já há anos a liberalização total do consumo de drogas acompanhada do fecho da torneira estatal para tratamentos, desintoxicações, etc.
Vou focar um único ponto: as consequências da lei que limita o aborto são precisamente opostas ao do espírito que está na lei. Em Portugal quem conhece uma mulher que tenha sido julgada por ter abortado? E quem conhece mulheres que tenham abortado em condições miseráveis? E quem conhece mulheres que tenham abortado em boas condições, ainda que ilegais? E quem tem a coragem de deixar a ladainha segundo a qual todo o aborto é feito por causa de condições fortemente limitativas e custa muito á mulher?
A actual lei não impede o aborto, mas não é esse, óbviamente o problema. O problema é que a consequência do incumprimento da lei não corresponde à penalização/responsabilização dos indivíduos, antes à selvajaria desorganizada e desigual do mercado clandestino da interrupção da vida in utero. Percebe-se mal como a vida é defendida. Resta que Vasco Rato escreveu sobre outras causas que uma direita seca, ou seja, atada à regulação antiga da obtenção de privilégios, desdenha igualmente, e com sarcasmo mal-disfarçado: uma política de droga musculada de redução de riscos, o casamento gay, etc. Também aqui o problema é a defesa da sementinha sagrada? Não. É o desdém pelos subprodutos de uma civilização assente numa concepção material da felicidade. Ou o velho hábito de olhar de alto para o mundo, guardando para nós a melhor parte.
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