A DIREITA AREJADA QUER DAR-NOS O QUE DE MAIS HÁ DE BAFIENTO NA ESQUERDA: Adoro o INDY, considero-o o único jornal decente, legível e não esquerdófilo do panorama nacional actual. Por isso estranhei bastante o artigo de VASCO RATO e, ao longo de uma atribulada e muito ocupada semana, pensei, por diversas vezes, se deveria dizer alguma coisa. Mas considerei o artigo tão fraco, tão pouco condizente com o que é costume no autor, tão feito em cima do joelho, tão carregado e, ao mesmo tempo, apoiado em premissas tão diversas como não demonstradas que achei que o assunto morreria por si e por ali. Melhor era nem ligar.
Arrependo-me hoje da posição cómoda que escolhi pois no INDY de hoje se podem ler diversos comentários ao artigo, sinal de que ele não teve a morte rápida que merecia, dando até origem à singular ocorrência de no mesmo jornal se ter verificado um conjunto de opiniões sobre o artigo aí publicado.
Acontece que nenhum dos ilustres comentadores, que vão desde JOÃO PEREIRA COUTINHO (o qual, com a sua pena finíssima e certeira, nunca nos deixa perceber se está a sério ou se a desenvolver o seu enorme sentido de humor) até VÍTOR CUNHA (com a sua análise sempre lúcida, mas que aqui seguramente pretende parecer distante ou politicamente correcta), passando por CARLOS BLANCO DE MORAIS (com natural indignação), nenhum deles - repiso - toca no que são os erros básicos do artigo em causa, que são inúmeros.
Desde logo por imaginar que quem se opõe à ideia do aborto voluntário o deixe de condenar se não o tiver de pagar, mesmo que só indirectamente, através dos seus impostos. Por muito que a muitos possa parecer estranho, algumas convicções não se alteram com o volume da carteira ou o tamanho dos saldos bancários.
A convicção dos defensores da vida não se compadece sequer com as «realidades» que podem levar uma mulher a decidir abortar. Os exemplos fornecidos por VASCO RATO (natureza profissional, falta de condições materiais, gravidez resultante de casos extraconjugais e irresponsabilidade de adolescente) só por irresponsabilidade de meia-idade podem ser minimamente considerados. Nenhum deles justifica que alguém possa decidir impedir ou cortar a vida de alguém que, segundo as leis da natureza, daqui a uns tempos estaria cá fora a berrar alegre e insistentemente por um biberão.
Admite-se que uma pessoa chegue a casa e diga à mulher que perdeu o emprego e que este ano não há férias; mas poderá ele dizer à mulher: «perdi o emprego, vai abortar?» Ou poderá a mulher dizer isso a si própria?
Pode ser que, como diz VASCO RATO, este juízo ignore o contexto da decisão de abortar mas o aborto alterará o contexto em que a sua decisão foi tomada? O aborto alterará os problemas de natureza profissional? Possibilitará condições materiais impensadas? Legitimará a relação extraconjugal? Fará crescer o adolescente irresponsável? Nada disso se altera. O aborto altera apenas a vida do desgraçado que está na barriga da mãe: acaba com ela. Esgoto, lixo, fora!
As «realidades», por mais tristes que sejam, não nos permitem decidir arbitrariamente sobre a vida de terceiros e «aquilo» que está dentro do corpo da Mulher é um terceiro, para todos os efeitos, e compete ao Estado defendê-lo da prepotência dos que lhe são, de momento, mais fortes (fisicamente, claro).
Aquelas «realidades» até poderão servir de atenuantes, mas nunca como legitimadoras do acto.
Dirá então VASCO RATO que as excepções hoje permitidas pela lei não o deveriam ser, à luz deste raciocínio. É evidente. Só que eu não confundo lei com a moral ou sequer com a natureza. Não é por a lei dizer o que diz que se mudam as convicções e a natureza. Não deve ser preciso viver em Cuba para se perceber isto.
Mas o pior erro, e que está na base do artigo, é o de ligar a questão do aborto a uma divisão esquerda/direita, o que está por demonstrar. Desde logo porque, por um lado, há muito boa gente da esquerda para quem o aborto é uma aberração e, por outro lado e pelos vistos, há também gente que se considera de direita e que não se ofende nadinha com a liberalização do aborto.
Acontece que, não obstante o título deste post, o aborto não tem nada a ver com política (desculpar-me-á JPC) dado que o que se trata aqui é da natureza, da natureza das coisas (e, por essa via, da moral).
Correndo o risco (calculado) de parecer simplista, uma vez semeada - mais tarde ou mais cedo - teremos uma flor no nosso canteiro; poderá ser maior ou menor, mais forte ou franzina, mais ou menos bonita mas, ainda assim, será uma flor se a natureza o permitir e se o homem ou qualquer outro animal não for para ali esgravatar, escaqueirar, raspar ou aspirar.
Não é muito diferente com os humanos: uma vez fecundado o óvulo, acaso a natureza o permita e ninguém vá para ali esgravatar, ao fim de algum tempo sairá para o ar livre uma criança (maior ou menor, mais forte ou franzina, mais ou menos bonita mas, ainda assim, uma criança).
A questão do aborto não é, por isso, a de saber «quando começa a vida», mas sim a de apurar quando é que a vida acaba. Ela acaba, impreterivelmente, com o aborto.
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