A EUROPA E OS SEUS CONVENTOS: Começou hoje, no Convento de S. Francisco, o Seminário Internacional "Europa - Futuro do Passado", organizado pela Câmara Municipal de Coimbra e a Fundação Bissaya-Barreto. E dificilmente poderia ter começado de melhor maneira: discussão brava sobre o modelo político-institucional proposto no Projecto de Tratado, com intervenções de Mário Soares e Gil-Robles, comentadas por Barbosa de Melo, Jorge Miranda e Cruz Vilaça. Para além das importantes questões de fundo (onde a discórdia foi, como era de esperar, quase geral e, por isso mesmo, estimulante), impressionaram-me dois aspectos.
Em primeiro lugar, nunca é demais dizer alto (e aí houve acordo geral) que a discussão actual sobre a integração europeia não deve fazer-se a partir dos nomes europeísta / anti-europeísta. Não se trata (ou não pode tratar-se apenas) de uma questão de fé. Na frase lapidar de Barbosa de Melo, existe por vezes a este propósito um clima de "ou crês, ou morres. E quando as coisas se puseram nesses termos na Europa, geralmente morreu muita gente".
Em segundo lugar, foi claro o desacordo quanto ao papel futuro da Europa no mundo. Se as intervenções de Soares e Cruz Vilaça privilegiaram a ideia de uma Europa como potência mundial, capaz de competir com o Estados Unidos no mesmo plano e segundo as mesmas regras (um ser-o-outro que implica um ser-como-o-outro), Jorge Miranda deixou entrever uma concepção onde o lugar da Europa está em ser-outro: só será potência mundial se não for uma potência mundial, mas antes algo de radicalmente novo onde se concentrem as características que dão corpo ao nosso comum património.
Claro que esta segunda concepção, que tem por trás uma longa genealogia (e, valha a verdade, uma certa ideologia), é muito mais sedutora, mas abre duas questões perigosas: 1) a quem caberá, então, o evidentemente necessário papel de contraponto à hegemonia americana? As alternativas disponíveis não são muito tranquilizantes; 2) A persistência nessa senda não implicará a continuação da nossa dependência militar dos EUA - a qual pode, justamente, impedir a consecução do tal ser-outro, que postula uma autonomia e uma autarcia com ela incompatíveis? Espera-se que um dos painéis de amanhã, dedicado ao "Papel da Europa no Mundo" traga novas reflexões sobre o tema.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.