FILANTROPIA: (inspirado pelo Abrupto e seus leitores) Quando se discute um modelo para a televisão pública, utiliza-se muito na Europa o exemplo da BBC. Pois o meu quotidiano contacto com a PBS americana faz-me recomendar que se olhe com atenção para o seu modelo de financiamento.
Aquilo é serviço público, do melhor que se faz no Mundo. As biografias notáveis, um género em que os anglo-saxónicos são mestres (vi há pouco uma biografia de Churchill que bem poderia passar na RTP2 - equilibrada , não apologética), os programas históricos, os entrevistadores (como o inigualável Charlie Rose) sóbrios, bem preparados, acutilantes sem serem bruscos ou mal educados, os debates políticos com um entendimento da política como os assuntos da polis, não apenas um mero espectáculo.
A informação é plural, com a secura de quem não tem de exagerar uma notícia ou manipular uma entrevista, porque apenas quer relatar ou buscar a verdade. É pública mas é provavelmente o espaço em que a Administração Bush é criticada e defendida de forma mais veemente e consistente.
Conjuntamente com a National Public Radio (NPR) são os dois baluartes da diversidade de opiniões, da divulgação de cultura, da pluralidade. Graças à não dependência do Orçamento de Estado. Mas sim das doações particulares. De empresas e de milhões de pessoas, umas mais pobres, outras mais ricas.
Esta notícia de capa de hoje do FT relata-nos que a viúva do fundador da McDonald's ofereceu 200 milhões de dólares (quase 40 milhões de contos) à NPR. Uma doação incondicional, sem restrições ao seu uso. Apenas para assegurar a viabilidade de um serviço nacional de rádio. (Já agora e num aparte para, por exemplo, a NPR poder relatar com acuidade os assaltos do senhor José Bové).
Em Portugal séculos de cultura anti-sucesso, anti-enriquecimento que ainda hoje prevalece geraram uma enorme desconfiança entre pobres (os que ficaram como eram) e ricos (os que mudaram para melhor). Temos portanto uma classe endinheirada não filantrópica, que não se sente obrigada a dar à comunidade o que dela recebeu (até porque há uma parte dessa comunidade que não valoriza ou reconhece o seu trajecto).
Não há lei do mecenato que mude estas mentalidades. E assim ficamos sem um sector relevante de organizações não lucrativas, de fundações, de think tanks. Privados de melhorias em universidades e hospitais, porque a cultura reinante aconselha, como sempre o fez, que o melhor é não mostrar que se tem dinheiro. Como se o enriquecimento pessoal fosse só por si um crime.
Não há problema, responderão alguns, o Estado paga (e tem de pagar) isso tudo. Este é um dos maiores dramas nacionais.
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