LOVE ACTUALLY: A comédia romântica é provavelmente um dos géneros mais difíceis de escrever e de filmar. Porque é quase impossível tratar questões delicadas como o amor ou o romantismo com humor e graça, sem se ser lamechas ou cair na tentação da javardice. Mas há excepções. A melhor das quais é Richard Curtis (Quatro Casamentos e um Funeral e Notting Hill, por exemplo). Ontem vi a sua última obra: Love Actually.
Ao contrário dos anteriores filmes que tratavam de amores de pessoas entre os vinte e os trinta e poucos anos, Love Actually desenvolve-se através de uma série de histórias paralelas, abarcando histórias românticas com protagonistas de todas as idades e em contextos muito diferentes - casados, solteiros, divorciados e viúvos; jovens, de meia idade e idosos; relações que começam na rua, no trabalho ou em casa; relações leves, sérias e pesadas, felizes, díficeis e infelizes; entre gente conhecida e entre anónimos.
O fime é servido por um elenco de luxo: Hugh Grant (que faz de Primeiro-Ministro inglês), Emma Thompson, Liam Neeson, Laura Lynne, Alan Rickmann, Rowan Atckinson, Bill Nighy (que compõe o mais fantástico personagem: uma estrela de rock decadente, um Brian Ferry kitsch), Colin Firth entre outros, como... Lúcia Moniz.
O resultado é muito feliz. O filme transmite uma alegria pura, inocente, de crença na redenção do mundo pós-11 de Setembro através do amor. Um excelente filme de Natal. O história do filme passa-se, aliás, durante a época natalícia, sendo claro que o lançamento agora pretende apenas maximizar o seu impacto.
Uma declaração inicial de Hugh Grant é muito explícita quanto ao propósito do filme: fazer a demonstração que, por debaixo das agruras da guerra e dos conflitos do mundo de hoje, há milhões de manifestações quotidianas de carinho e ternura que são razões para optimismo e alegria.
É esta pretensão (juntamente com o humor politicamente incorrecto) que dá ao filme um incontornável toque europeu. Porque seria impossível filmar algo assim na América de hoje, ainda traumatizada pelo 11 de Setembro e em guerra. Nesse sentido, é uma demonstração mais de como os europeus e americanos vêem hoje o mundo com olhos e disposição diferentes. Vê-lo numa sala americana foi, neste contexto, bem interessante: há uma cena hilariante em que Hugh Grant faz um alucinado discurso anti-americano, que pura e simplesmente gelou a sala. Testemunhar este efeito provocado por um filme cómico foi bastante clarificador.
O filme segue irrepreensivelmente o formato já experimentado por Curtis noutras ocasiões: um bom texto, uma excelente banda sonora, um sentido de humor corrosivo e politicamente incorrecto. Tudo filmado com ritmo e agilidade. Revelando uma enorme humanidade e um olhar deliciosamente irónico sobre as venturas e desventuras do amor e das relações emocionais. Uma exploração até à exaustão e à comicidade dos estereótipos: o tratamento irónico e cómico dado aos portugueses que trabalham em França não vai deixar de chocar algumas pessoas com menos sentido de humor em Portugal.
O filme tem numerosas cenas faladas em português (aquelas em que Lúcia Moniz, que está muito bem, participa). Ver num cinema cheio em Georgetown, Washington DC, toda a gente a ter de ler legendas para perceber grande parte de um filme falado em português, cria uma sensação mesquinha de vingança que não consegui conter.
A isso, à mestria e ao talento de Curtis, devo o facto de ter gostado tanto destas duas horas levezinhas e optimistas.
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