O DÉFICE (questões de fundo): A questão da existência ou não de um défice orçamental virtuoso e da necessidade do equilíbrio das contas públicas é um dos temas mais discutidos na ciência económica. Acresce a este facto a dificuldade que existe em chegar a acordo quanto ao seu método de cálculo.
Há, no entanto, hoje um consenso básico quanto a duas questões: as finanças públicas devem ser, tanto quanto possível, equilibradas e o investimento estatal deve servir apenas para a criação de redes de apoio social aos mais desfavorecidos e para áreas de manifestação de soberania como a defesa e a segurança. Não para promoção do crescimento económico, que apenas poderá ser sólido e sustentado se provocado pela iniciativa privada. Isto é sobretudo verdade para a Europa, que com a sua população envelhecida e consequente queda das receitas públicas (impostos) e aumento a despesas públicas (reformas), não poderá mais utilizar o Estado para o fornecimento de serviços que tradicionalmente por ele eram fornecidos.
Portugal está actualmente na presença de um ajustamento estrutural e não conjuntural. Ou seja, o governo tem de efectuar reformas nas leis laborais, no regime fiscal, no modo de funcionamento da Administração Pública, na Saúde, Educação e Justiça que permitam que a retoma económica de Portugal se faça de forma sustentada: através do aumento da produtividade e do investimento privado, nacional e estrangeiro. Isto implica uma alteração de modelo de crescimento económico - até agora temos crescido graças à construção de obras públicas. Este modelo está condenado, quer porque a necessidade destas obras não é eterna, quer porque os fundos europeus para as sustentar vão desaparecer progressivamente (esta constatação da necessidade de alteração do modelo económico resulta, como se vê, não de qualquer excesso de zelo ideológico de neo-liberais, mas da mera constatação da realidade). Fazer estas reformas em tempo de redução das receitas públicas, fruto da desaceleração da economia, é bastante complicado e implica alguma dor social. Isto poderia ter sido evitado, se os que hoje choram lágrimas de crocodilo pela degradação da situaçãos social, se tivessem preocupado em promover estas reformas em tempo de expansão económica.
Onde entra aqui o défice ? O primeiro problema é uma questão de credibilidade internacional, que para Portugal (pequena economia aberta) é muito mais relevante do que para, por exemplo, a França ou a Alemanha. A credibilidade é crucial para a atracção de investimento e fundos estrangeiros e, como vimos nos últimos trinta anos, demora imenso tempo a construir e consolidar, bastando três a quatro anos de disparates para a deitar por terra. A segunda questão é a de que qualquer tentativa de reanimação da economia via investimento público (com agravamento do défice) seria uma insistência no actual modelo, ou seja, um desperdício de recursos. Como as reformas demoram cerca de dois a três anos a fazer efeito na redução da despesa pública e na capacidade de atracção de investimento privado, não há alternativas às medidas extraordinárias para cumprimento das metas para o défice. Por último a consolidação orçamental é condição necessária para uma posterior baixa de impostos que, deixando mais dinheiro nas mãos dos cidadãos, permita um maior investimento e consumo e transforme Portugal num mercado fiscalmente competitivo para atrair investimento estrangeiro.
A questão do controlo do défice tem pois para Portugal uma múltipla dimensão de credibilidade e atractividade internacional e de alteração do nosso modelo económico. Mudar agora esta política seria desastroso. Ela dará os seus frutos: Portugal como pequena economia aberta rapidamente se adapta a novos desenvolvimentos do quadro em que actuam os agentes económicos. Dada a nossa reduzida dimensão, qualquer pequena alteração de quota de mercado das nossas empresas exportadoras num país europeu tem para nós um enorme impacto. A anunciada retoma económica para 2004 irá certamente levar por arrasto a economia portuguesa.
Espera-se que, então, o crescimento da economia portuguesa seja feito de forma mais saudável, graças a aumentos de produtividade e fruto da sua acrescida capacidade competitiva. Não graças a feiras internacionais ou a estádios de futebol.
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