AINDA “CENTRADOS” NO ABORTO: Adoro ler os textos dos meus colegas de tripulação, PC e NMP. Quando me deparo com as suas considerações escritas, sempre tão reflectidas e amadurecidas, sou incapaz de não devorar de imediato cada palavra, cada frase, todo o discurso de uma ponta a outra, de fio a pavio, com enorme atenção e concentração, bebendo cada palavra, mastigando cada ideia – e eles sabem bem o que isto em mim quer dizer.
Não me parece completamente despropositado aconselhar-lhes coisa semelhante - não por qualquer consideração pelos meus pobres escritos, meros balbucios soluçados de emoção, pintalgados aqui e acolá com réstias de humor cansado, mas - para evitarem perder tempo com graçolas evitáveis ou descrevendo e apresentando como novidades pensamentos que estavam já escritos centímetros abaixo.
Na verdade, acaso tivessem passado do título (relativamente ao meu post sobre o artigo de Vasco Rato), ambos os meus amigos teriam reparado ter eu escrito que o pior erro de VR era imaginar que as posições sobre o aborto teriam alguma coisa a ver com a política ou com a divisão esquerda/direita - que não tinham ("não obstante o título deste post", pode ainda ler-se no texto).
Teriam também tido oportunidade de compreender melhor o meu pensamento e discurso: eu não discorro propriamente sobre a condenação ou penalidade a aplicar sobre quem aborta. Para mim, a questão da sanção é algo que está a jusante do verdadeiro problema, que é o de saber se alguém tem legitimidade de (ou para) abortar, de tomar essa decisão e de praticar esse acto.
Abortar (deixemo-nos de eufemismos do tipo “interrupção voluntária da gravidez” só para acalmia das nossas consciências) é, num simples dicionário, isento e apolítico (Porto Editora, 2003) “dar à luz um feto sem tempo de gestação normal que o torne apto para viver”. A frase é eloquente, desde o seu início (“dar à luz”) até ao final (“um feto sem tempo de gestação normal que o torne apto para viver” – eu preferiria “sobreviver”, mas enfim...). Prossegue o dicionário: “malograr-se, interromper-se, frustrar-se, interromper, que não atinge o fim natural do seu desenvolvimento (...)” e por aí fora.
Tudo isto – sem qualquer tipo de pretensão de cientificidade, dado que não vale a pena complicar - nos dá a natural ideia de um corte, de um impedimento, de uma interrupção feita pela mão do Homem (quem mais?...) ao natural desenvolvimento da natureza.
E aqui, julgo que todos estamos de acordo: se a mão do Homem não intervier para cortar, impedir o desenvolvimento do feto, do embrião, da criança, do feijãozinho, do spes vitae (nas palavras de Orlando de Carvalho, aqui recordadas por PC), do que lhe quiserem chamar, então dali sairá uma criança.
O que me pergunto é que legitimidade terá alguém, seja a sociedade, o pai ou a mãe, para impedir e interromper o curso natural de onde resultará uma criança.
Ora, eu acho que ninguém tem legitimidade para isso.
Post scriptum: naturalmente, face ao que escrevi, de momento pouco me importa debater a reacção da sociedade. Além do mais, não posso, obviamente, discutir com um cientista, um pensador, um estudioso do assunto como é o PC. Mas embora concorde com ele em quase todas as suas considerações explanadas sobre a questão no campo penal, parece-me, certamente por ser leigo, que o facto da proibição penal não ser respeitada pelos cidadãos (alguns, seguramente) e pelas instâncias chamadas a aplicar a lei, esquece uma realidade que PC bem conhece (as “atenuantes”) e é mau princípio para que se defendam alterações legislativas mais brandas. Seja como for, julgo que PC apenas se limitou, nesta parte, a mostrar-nos o cenário e não a assumir posição.
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