CHAMEM-ME O QUE QUISEREM: Vai por aí uma discussão esotérica sobre a relação entre direita, esquerda e a questão do aborto. É sempre interessante ver pessoas a justificarem posições pessoais e íntimas através da sua peculiar interpretação de conceitos difusos e imprecisos como os de esquerda e direita. Em Portugal ainda há muita gente que tem medo de ter opiniões que contrariem o que delas seria de esperar. Que necessita do amparo do grupo (do partido, da esquerda ou da direita). Que acha que tudo na vida tem de ter uma caução e uma cobertura política. Damos com elas a argumentar não contra argumentos e opiniões, mas contra fantasmas: os seus estereótipos e ideias feitas - a direita é contra o aborto, a esquerda é a favor. O resultado disto é sinceramente confrangedor: uma arrazoado argumentativo, retorcido e pouco esclarecedor.
Por alguma razão (a de nesta discussão confluírem questões delicadas e que lidam com dimensões éticas, morais e religiosas) há um sólido consenso entre constitucionalistas e cientistas políticos que esta é uma questão típica para referendo. Porque a opinião sobre o aborto não é representável por outrém, eleito para uma representação meramente política, não para uma representação moral ou ética.
A questão que se me coloca é se entendo que uma mulher que aborta deve ser responsabilizada criminalmente. Não é se a senhora faz bem ou mal (ainda que não seja um relativista asoluto, passe a expressão, tenho dificuldades em fazer juízos de valor ou morais sem conhecer os casos em concreto). Pois eu entendo que uma mulher que aborta não deve ser responsabilizada penalmente. Nem sequer ponho a questão em torno da suposta (e questionável) liberdade da mulher a fazer o que quer do seu corpo. Apenas me interrogo se uma mulher que praticou um aborto deve ser punida criminalmente (investigada, acusada, julgada, condenada e eventualmente detida). Eu acho que não e como tal que a actual lei é aberrante.
Isto não quer dizer que vote sim em todos os referendos (votei no último). Depende do limite temporal para este acto (só até aos 3 meses, a partir de onde parece estar provado cientificamente que existe vida nervosa e cerebral) e da abolição do chamado partial-birth abortion que, como o próprio nome indica, é uma técnica abortiva particularmente chocante.
Esta posição resulta de uma convicção íntima minha e eu não tenho a pretensão de convencer ninguém sobre os seus méritos e a sua justeza. É o produto de um compromisso díficil entre convicções morais, éticas, religiosas e a minha (e não de outrém) experiência de vida, mundividência, recolha de testemunhos e consciência cívica.
Posso convocar argumentos tradicionalmente de esquerda para me amparar, como a injustiça social de os mais ricos poderem praticar estes actos no estrangeiro, enquanto os mais pobres têm de se sujeitar a condições humilhantes de alto risco para a saúde individual e pública. Ou esgrimir razões classicamente de direita para me justificar, como o facto de uma lei penal ser tão generalizada e consensualmente violada (até os defensores da actual lei não gostariam de a ver aplicada em concreto) significar o descrédito da autoridade do Estado de Direito.
Mas não o faço. Limito-me a afirmar que esta é a minha opinião, que não pretendo convencer ninguém dos seus méritos, que não estou sequer interessado em discuti-la. Apenas peço que a respeitem. Quanto ao mais, chamem-me o que quiserem: de direita arejada, esquerda bafienta, insensível ou assassino.
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