OS ALTOS E BAIXOS DO BASTONÁRIO: Se fosse advogado, não sei se gostaria de ter José Miguel Júdice como bastonário. Não o sendo, acho que JMJ, ao contrário de muitos que o precederam, compra as lutas que um bastonário deve travar - embora nem sempre da melhor forma.
Vem isto a propósito do comentário de JMJ, no Público de hoje, ao acórdão relatado pelo Conselheiro Pires Salpico relativo a um pedido de recusa de juiz, que conheço apenas através do que veio a público na comunicação social. Há aí dois assuntos diferentes: por um lado, as considerações que se tecem na decisão acerca dos advogados que suscitaram o incidente e da classe em geral; por outro lado, a insinuação de que o próprio incidente constitui uma inadmissível falta de respeito pelas decisões judiciais. Creio que JMJ fez bem ao criticar publicamente, num jornal, este último entendimento; mas fez mal em escolher um jornal para desagravar os visados e a classe das eventuais desconsiderações constantes do acórdão.
Na verdade, o incidente de recusa de um juiz é uma garantia legal dos cidadãos ligada à imparcialidade da administração da justiça e a sua dedução não deve ser tomada - como, infelizmente, tanta coisa o é em Portugal - pessoalmente, à conta de menor respeito pelo juiz em causa, ou pela magistratura em geral. É importante repetir mil vezes que o uso das regras prévia e abstractamente estabelecidas é a própria vida do estado de direito democrático. Se, em concreto, esse uso descambar em abuso, com violação das regras deontológicas da actividade, a lei (convém lembrar que o Estatuto da Ordem dos Advogados é materialmente uma lei querida pelos representantes do povo) entrega a apreciação do problema aos órgãos competentes no plano disciplinar (no caso, a OA). Há, portanto, regras legais que obrigam todos os actores e, enquanto for preciso lembrá-lo, espero que nunca doa a voz a um bastonário da OA. Nem acrescentarei nada acerca do uso ilegítimo de uma sentença para criticar, num plano político-legislativo, a lei vigente: já aqui escrevi sobre isso, num post onde sustentei a liberdade de expressão dos magistrados a esse propósito, quando usada da forma e nos locais adequados.
Já no que diz respeito à eventual deselegância dos obiter dicta do acórdão relativos aos advogados recorrentes e à classe em geral, JMJ não devia ter produzido quaisquer comentários. Devia ter dado somente, também ele, pelas mesmas exactas razões que enunciei no parágrafo anterior, os passos cuja omissão critica ao Conselheiro Salpico: a comunicação dos factos ao órgão com poderes disciplinares para os apreciar (no caso, o CSM). O que diria JMJ se, um dia, o Presidente do CSM criticasse num artigo de opinião, num jornal, alegações ofensivas para determinado magistrado, subscritas por certo advogado (que também as há)? Estou certo de que responderia: "Senhor Conselheiro, esse não é o local para tratar do problema". E teria toda a razão que, neste comentário, lhe falta.
Uma última nota: estou convicto de que JMJ prosseguirá a sua intervenção crítica sempre que surjam questões "sócio-judiciais" desta índole - mesmo quando se trate de processos que não envolvam figuras públicas e que não tenham, por isso, a mesma visibilidade.
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