SEM QUERER SABER SE SÃO MAIS ARES DE DIREITA, À ESQUERDA, OU ARES DE ESQUERDA, À DIREITA, DADO QUE ISSO NÃO ME INTERESSA: VASCO RATO afirma no Indy que para o famoso artigo por si escrito no Independente, aqui há semanas, esteve subjacente a preocupação com algumas mulheres (e demais cúmplices) submetidas a julgamento pela prática de aborto. «Num país onde a interrupção voluntária da gravidez é uma prática generalizada, este julgamento atesta o ridículo que é a legislação em vigor e a necessidade urgente de a alterar.» O argumento é fantástico!
Não tenho bem a certeza (nem disponho dos dados científicos ou estatísticos de VR) para afirmar, convictamente, que o aborto seja uma prática generalizada neste meu país. Desconfio até que não seja. Mas congratulo-me por saber o que move VR na ânsia da liberalização do aborto: é a sensação que tem da eventual violação generalizada da norma.
Só não percebo é porque é que ele haveria de começar com a moralização da sociedade a partir do aborto. Pela parte que me toca, preferia que se abolisse a velocidade máxima de 120 kms/h nas auto-estradas, também ela uma norma cuja violação é uma prática generalizada (atrevo-me a pensar que até um nadinha mais do que as normas relativas ao aborto). É inacreditável que se ande a julgar e condenar alguns pobres coitados (e azarados, por terem sido apanhados) só por andarem a 140 kms/h, 150 kms/h ou mesmo a 180 kms/h nas auto-estradas (alguns sem matarem ninguém, nem sem "impedirem a vida a ninguém"...). Pois se toda a gente a viola, o melhor era mudar a lei. Onde já se viu condenar alguns quando todos fazem o mesmo?
Além do mais, enquanto a prática do aborto implica sempre a morte (ou, repito, para os que gostam de artifícios de linguagem, “impede a vida”), nem sempre o andar a 180 kms/h nas auto-estradas “impede a vida” ou causa a morte. Pelo contrário, andar a 120 kms/h na A6, por exemplo, é que é meio caminho andado para adormecer ao volante e causar um desastre que pode vir a ser fatal.
Já nem falo por mim, falo pelo meu carro: ele irrita-se de andar a 120, faz barulhos estranhos. Às vezes, para conseguir ultrapassar uns camiões, subo aos 140 kms/h (sempre com imensa atenção para não ser abalroado por um comercial a uns esganiçados 160/170). Mas o que o meu carro gosta mesmo é de andar a 160 kms/h: essa é a sua velocidade de cruzeiro. Mas mesmo a essa velocidade sou ultrapassado por inúmeros carros, motas e um ou outro camião ou furgonete (os da Mercedes e os da VW andam que se fartam).
Atrevo-me a pensar que a violação dos limites de velocidade é uma prática generalizada. Será motivo para se liberalizar a velocidade nas auto-estradas?
Post scriptum: para breve um ensaio sobre a prática generalizada da violação das normas fiscais, com especial incidência sobre a sisa, e a necessidade urgente de abolir essas normas. Post scriptum 2: não se admire o leitor por eu tratar a brincar assunto sério. Numa discussão séria, existem argumentos que só a brincar se podem tratar.
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