CARTAS ANÓNIMAS: No mais recente e ridículo episódio da triste novela a que temos obrigatoriamente assistido há mais de um ano, o Dr. Jorge Sampaio prestou-se gratuitamente ao mais infeliz, desagradável e insensato papel que havia a distribuir no casting: o de liderar, ainda por cima como Chefe de Estado, a descredibilização do MP e dos Tribunais.
Fê-lo em comunicado lido para todo o país, em horário nobre e sabendo bem que nem o Procurador-Geral, pela posição que ambos ocupam, nem o Procurador-Adjunto, pela posição que detém no processo (mas também na Magistratura) lhe iriam ou podiam responder, ou sequer justificar-se.
Ao referir-se, muito claramente, a “erros” que podem enfraquecer a “credibilidade técnica dos seus responsáveis”, o PR lança uma acusação infundada e injustificada sobre todos os operadores da justiça neste caso concreto: sobre os advogados, os juizes mas, sobretudo (não é preciso, desta vez, ler nas entrelinhas), sobre os procuradores e o MP em geral. Fazendo-o, lança também na opinião pública a dúvida sobre o sistema e, particularmente, sobre a acusação (como ninguém antes tinha feito e, claro, na qualidade de Chefe de Estado).
O que é mais grave é que parece que o próprio PR tem dúvidas, a avaliar pelo penúltimo parágrafo do comunicado, dúbio e perfeitamente dispensável. Se o próprio PR tem medo de que existam “erros” que possam fazer enfraquecer a credibilidade dos responsáveis e, em consequência, da justiça, e que isso possa levar até à condenação de inocentes e absolvição dos culpados, o que dirá o homem comum sobre este processo? Que credibilidade poderá ter o processo? Pior: o que dirá o homem comum sobre qualquer processo em que esteja envolvido? Que credibilidade poderão ter quaisquer processos?
Dir-se-á que se justifica a intervenção do PR pela violação do segredo de justiça e pelo facto do seu nome ter sido manchado. Não entendo assim: não acho, desde logo, que possa existir fundamento para que o Chefe de Estado fira, mesmo que ao de leve, o crédito deste (ou de qualquer outro) processo e o dos seus intervenientes, quaisquer que sejam as posições que ocupem. O cuidado que ao PR se exige nas suas mensagens sobre o assunto deveria ser enorme e tal que elas nunca pudessem permitir uma interpretação que apontasse ou se dirigisse ao descrédito dos intervenientes e do sistema judicial que temos. Além do mais, o PR não devia ignorar que, com as suas declarações, no minuto seguinte (ou trinta, que fossem...) surgiriam outros a atrelarem-se às suas dúvidas, aumentando-as e fazendo-as suas e dos seus, num aproveitamento claro e inequívoco - esse sim, manifestamente ofensivo para o PR.
Não acho, também, que neste caso se mereçam mais comentários do PR sobre o segredo de justiça (sob pena, até, de ele não falar de outra coisa).
Resta a dita carta anónima. Mas ela também não justifica o comunicado. Uma carta anónima é, por definição, uma coisa abjecta, ignóbil e cobarde e ninguém acredita na mais ténue ligação do PR a este sórdido e repugnante caso.
Acontece que esta carta infame e asquerosa foi enviada ao juiz, que fez aquilo que unicamente podia fazer: remetê-la ao Procurador-Adjunto titular do inquérito. Este recebeu-a no processo e tinha uma de duas coisas para fazer: ou a mantinha lá, ignorando-a como coisa vil e inacreditável que é, ou a mandava desentranhar do processo. Mas sempre teria de a ela fazer referência no processo.
Independentemente de qualquer posição jurídica sobre o assunto, tenho a certeza absoluta de que a manutenção da carta anónima no processo, mesmo que por hipótese isso constitua um “erro” e a carta seguramente uma ofensa para o PR, em nada contribui para o descrédito do processo ou do MP.
Julgo até que contribuiria mais para o descrédito do processo a existência de um despacho onde o MP mandasse desentranhar e destruir de imediato “o documento de folhas x e y”: cairia o Carmo e a Trindade, como toda a gente a pretender saber de que documento se tratava, se o MP estaria a proteger alguém ou a destruir um documento onde se provaria a absolvição de algum dos arguidos...
Percebem-se mal, por isso, as referências no comunicado à possibilidade do descrédito do processo por causa desta mísera e miserável carta, de teor perfeitamente inconcebível. Tão inconcebível que a dita carta não consegue ser ofensiva, não tem o menor interesse para o processo ou para a opinião pública e seguramente que não sustenta a demorada discussão que estranhamente sobre o assunto se está a fazer há quase uma semana.
Mas que a manutenção deste debate parece interessar a muita gente, isso parece...
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