GREVES, ESTUDANTES E PEQUENOS COMERCIANTES: Há por aí a ideia feita de que os profissionais liberais são donos do seu tempo. Nada mais falso: os donos desse tempo são os clientes, sendo que, na óptica do profissional liberal, cada um é o mais importante e, do prisma do próprio cliente, cada um é o único cliente desse profissional liberal.
É por as coisas serem mais ou menos assim que já mal me lembro do sabor das rabanadas, tenho vagas recordações do primeiro de Janeiro, passado a trabalhar tendo o canal Panda como som de fundo, só me ocorrem os fins-de-semana agarrado ao computador e aos compêndios, o sair de casa com todos por acordar e chegar lá com todos a dormir.
Foi, por isso, com alguma felicidade que, no final de sexta-feira o vento amainou um pouco e consegui descansar um bocado, folheando os jornais e mirando as notícias da televisão. Estava o funcionalismo público em greve. Os reis dos privilegiados insurgiam-se contra os reduzidos ou inexistentes aumentos, animados e instigados por aqueles que desbarataram as finanças públicas e contribuíram activamente para este estado de coisas. Os reizinhos também não estão para serem avaliados, promovidos por mérito, era o que mais faltava! Isso implicaria a subversão total do espírito do serviço público (frase que me faz sorrir quando dita por Sir Humphrey Appleby, mas que no presente caso me irrita profundamente).
Um telefonema de um colaborador contribuiu bastante para o meu estado de espírito: por razões que não vale a pena estar a descrever, a greve da função pública iria obrigar-me a, uma vez mais, passar o fim-de-semana a trabalhar. Enquanto cogitava na desculpa familiar para mais este revés, lembrei-me de que se os funcionários públicos não tinham aumentos, o profissional liberal também não via os seus rendimentos aumentarem sem trabalhar mais. Além disso, não tem férias pagas, subsídio de Natal, de doença, de desemprego, não tem o dinheirinho contado ao fim do mês e o seu trabalho é fiscalizado pelo mais severo dos avaliadores: o cliente. E tem de trabalhar ainda ao fim-de-semana por causa da greve deles. Irra! Vou mudar de canal e virar a página do jornal.
Saiu-me a notícia das votações dos estudantes da Universidade de Coimbra. Se os outros são os reis, estes são os príncipes dos privilegiados.
E lá estava a carinha do Vitor Hugo Salgado a balbuciar umas desculpas esfarrapadas sobre a estrondosa derrota da sua proposta de não haver Queima das Fitas. É bom de ver que iria perder: os estudantes adoram a Queima das Fitas e a cidade não passa sem ela. Se os estudantes não a fizerem, os comerciantes e a cidade deixarão de ter paciência para aturar as infantilidades de muitos dos estudantes. Além do mais, a maioria dos estudantes gasta mais dinheiro na Queima das Fitas do que nas propinas anuais.
Troco definitivamente de jornal e desisto de ver notícias, mudando para o Canal História, onde sempre pode ser que me distraia com os últimos momentos de glória e de vitórias de Eusébio e do seu clube.
Sai-me no jornal a Laura Rodrigues, da Associação de Comerciantes do Porto. Depois dos reis e dos príncipes, a rainha dos privilegiados. Parece que quer forçar o parlamento a decretar o encerramento dos estabelecimentos ao Domingo: até onde vai a preguiça e a inveja juntas?
O que a rainha dos privilegiados quer é provocar o maior dos incómodos a toda uma população que só tem o fim-de-semana para se abastecer. A rainha esquece-se de que aos domingos, quando ela e os seus exércitos descansam (sabe-se lá de quê...), uma imensidão de pessoas se encontra a trabalhar: profissionais liberais ao computador, hoteleiros a servirem os hóspedes, portageiros a cobrarem as portagens, garagistas a fornecerem gasolina, taxistas, motoristas, pilotos de avião a transportarem passageiros e, nas lojas sérias, comerciantes a atenderem os clientes que só naqueles dias podem ir às compras. E a Laura Rodrigues quer que o parlamento, por decreto e ao abrigo da protecção da preguiça e fraco espírito comercial de alguns pequenos comerciantes, estrague a vida a toda a população.
Entendamo-nos: sou pelo pequeno comércio e só arrastado me conseguem levar a uma grande superfície (e nunca ao fim-de-semana). Mas o pequeno comércio de que me sirvo (o talho, a peixaria, a mercearia, a loja de roupa, a tabacaria, a pequena loja de electrodomésticos) está aberto ao fim-de-semana, ao Sábado e ao Domingo, é simpático, leva as compras a casa; é certamente mais caro mas seguramente muito melhor do que as lojas das grandes superfícies e não tem nada a ver com a caterva de preguiçosos que Laura Rodrigues quer “servir”, com a pretensão de encerrar tudo ao Domingo e de prejudicar tudo e todos.
Desisto de ler notícias. Vou mas é trabalhar que sempre me beneficio a mim e aos meus. O irritante e revoltante é que quase metade do que produzir no fim-de-semana será entregue em impostos e estes, grande parte deles irão servir para pagar o funcionalismo público, o ensino superior público e os subsídios à Sra. D. Laura Rodrigues. Irra, que país este!...
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