GUARDIÕES DO TEMPLO: Segundo alguns abutres de esquerda, o destino político de Tony Blair esteve em risco nestas últimas 48 horas. Primeiro sobreviveu à votação do aumento de propinas, que foi aprovado por uma maioria de 5 votos.
Hoje foi publicado o tão esperado relatório Hutton (o sumário está aqui), anunciado como a espada que cortaria a cabeça do líder trabalhista britânico.
Em vez de um texto crítico do comportamento do governo britânico, o relatório iliba-o de responsabilidades no processo que conduziu ao suicídio de David Kelly, considera que actuou de forma equilibrada, critica ferozmente a BBC e até limpa a imagem do assessor de imprensa Allastair Campbell, que corajosamente denunciou a falta de acuidade das notícias da estação pública e a agenda política que lhe estava implícita.
Uma pequena volta pela blogosfera deixa-me espantado. A direita blogosférica rejubila, a esquerda está embaraçada.
A maioria da esquerda portuguesa, estatista na visão da economia, permissiva na segurança e na defesa, elitista na percepção cultural do mundo, ainda está ancorada na precipitada e redondamente errada previsão de Mário Soares em 1998 - Blair é um líder de plástico, o futuro passa por Jospin (cujo maior feito político foi, lembre-se, conseguir conduzir Le Pen à 2ª volta das eleições presidenciais francesas).
No código genético da esquerda lusa ainda manda a herança francesa, a tradição continental, com as suas declarações grandiloquentes de princípios e ideologias, distantes dos factos e da realidade. A superioridade moral tomada como adquirida. A auto-atribuída vanguarda estética e o monopólio cultural e do gosto. Há uma recusa, apenas sustentada em ideologia e que contraria factos e diagnósticos, em interiorizar a necessidade de liberalizar a economia e a sociedade. Campeia uma enorme dificuldade em enfrentar decididamente os cada vez maiores perigos à segurança individual e colectiva, que este mundo caótico traz consigo. Falta pragmatismo, fibra política e capacidade de decisão onde sobram preconceito ideológico, complacência e hesitação.
As últimas notícias que ouvi revelavam-me que Tony Blair é líder do Partido Trabalhista inglês que tem uma longa e honrosa tradição de luta operária e sindical, membro da Internacional Socialista, de esquerda. Se calhar e para usar uma daquelas expressões que não querem dizer nada mas descansam alguns espíritos, é de uma esquerda que não é digna desse nome. É possível que a expressão tenha uma dimensão sagrada que me escape, mas fica aqui um alerta: enquanto uns, contentes consigo próprios, ficarão guardiões do nome, outros tentam responder ao presente e precaver o futuro.
Mas, enfim, eles lá saberão...
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