MONOPÓLIO: Um dos rapazes com quem eu mais gostava de brincar em criança era com o Zeca, tipo porreiríssimo de quem ainda sou grande amigo. O Zeca era fantástico, grande amigo, mas era uma nulidade no Monopólio, que jogávamos bastante lá pelos idos de 1975. O estranho era que tinha uma sorte incrível aos dados mas nunca comprava nada: calhava sempre nos melhores sítios, como no Rossio, quando eu tremia todo: “vais comprar?”, “não”, respondia-me ele, meio tristonho e cabisbaixo. Na Rua Augusta? “não”, respondia-me ele. Na Rua do Ouro – as verdinhas, desta vez vai comprar! – e ele nicles, não comprava. Caiu na Arantes de Oliveira (já eu tinha casas e hotéis por todo o lado) e ele não comprou, estando ainda cheio de dinheiro do início, acumulando com três vezes os dois contos da partida. Pensei que não gostava do jogo mas ele assegurou-me que sim, que gostava imenso; pensei que achava o jogo velho, remendado, cheio de fita-cola, já falho de peças (meus irmãos já o tinham jogado muito...), que preferia as casinhas às peças de lego que as substituíam, mas ele disse-me a tudo que não e que jogasse. Decidi começar a perguntar-lhe o porquê da sua estranha estratégia de jogo: “porque não compras o Campo Grande? São 600$00?”; não posso, dizia-me. “A Rua do Carmo?” Não quero, jurava-me. “A Estação de Campanhã?” – não posso, quase que chorava.
É evidente que eu ganhava sempre. Até um dia em que me recusei a jogar e lhe perguntei directamente porque utilizava semelhante táctica de jogo, cujo resultado já sabia qual seria. O meu amigo respondeu-me que nunca poderia comprar o Rossio, a Rua Augusta ou a do Ouro porque eram o protótipo do burguês típico, não podia comprar a Estação de Campanhã porque era um negócio capitalista e explorador, tal como a Rua do Carmo e a de Santa Catarina; o Campo Grande por ser perto do Campo Pequeno, símbolo dos fascistas capitalistas, e a Arantes de Oliveira por motivos evidentes: é que estas ideias lhe tinham sido incutidas.
Continuei a ganhar-lhe o Monopólio por mais uns meses e depois deixámo-nos daquilo (confesso, meio envergonhado, que passei a jogar o Jogo da Bolsa com outro vizinho com quem vim a comprar a meias o Jogo do Petróleo. Mais tarde, já no Liceu, trocámo-lo pelo Risco até ao fim da Faculdade).
Continuo grande amigo do Zeca, depois de uns anos de interregno, e encontramo-nos regularmente. O Zeca é casado, pai de 5 filhos, extremamente feliz, administrador de uma empresa de sucesso com casa própria e uma de férias fantástica, mas espera abrir apenas com o seu esforço uma unidade hoteleira de cinco estrelas numa praia bem conhecida. Está bem melhor do que eu, dou comigo por vezes a pensar. Libertou-se dos seus fantasmas ao fim de 30 anos, o que é sempre bom. Fico muito feliz por ele.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.