MORTE EM DIRECTO: O que aconteceu ao infeliz Fehér poderia acontecer a qualquer um de nós. Atingindo a morte um rapaz de 24 anos, cheio de vida e de saúde, um desportista, medicamente vigiado, num local pejado de médicos e de equipamentos e ao lado de um hospital, ela pode atingir-nos a todos, quando e onde quer que seja.
O que certamente não nos acontecerá é que isso passe em directo na televisão. No caso concreto, a Sport TV (que transmitia o jogo) de imediato desistiu de passar as imagens do triste acontecimento, mostrando apenas as tentativas desesperadas de socorro. Já o Canal 1, a SIC e a TVI não se cansaram de fazer passar até à exaustão as imagens do pobre jogador a desfalecer. Ontem à noite, durante cerca de hora e meia, a TVI explorou o assunto e mostrou dezenas de vezes as imagens de Fehér a cair, ora enchendo o écran, ora dividindo o écran, ora em oráculo. O Canal 1, durante menos tempo, fez o mesmo e de diversos ângulos, em replay e com chamadas de atenção, e a SIC também.
Acontece que o que nos mostravam não era uma pirueta de um virtuoso após ter marcado um golo mas sim a morte de um ser humano, o momento exacto do desfalecimento de um rapaz que viria a morrer. As impressionantes imagens não constituíam um serviço público ou um serviço noticioso: eram o voyeurismo puro, o desrespeito absoluto pela vida humana, o aproveitamento bárbaro da infelicidade e desgraça alheias.
O terem mostrado repetidamente e inúmeras vezes o impressionante momento do desfalecimento e queda de Fehér constituiu o pior insulto que esses canais poderiam fazer ao jogador e à vida humana em geral: o aproveitamento foi revoltante, repulsivo e repugnante.
Os jornalistas enchem a boca quando falam de si próprios e do seu papel na sociedade, acham-se importantíssimos e portam-se como virgens pudicas quando alguém os critica; mas aqueles que se prontificaram e se sujeitaram a fazer o frete às suas direcções de informação e às audiências mostrando e comentando ad nauseam aquelas imagens tristíssimas e chocantes não são jornalistas: são mercenários. Que o saque e pilhagem lhes faça bom proveito.
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