NA GAVETA DA MINHA COZINHA: É sexta-feira, não vale a pena estragar a noite com má política (eu sei, estou a plagiar parcialmente o Eça mas ele referia-se ao jantar, e não à noite propriamente dita).
Falemos então de coisas mais mundanas. Na gaveta da minha cozinha – e imagino que na gaveta da maioria das cozinhas portuguesas (continente e ilhas), bem como nos PALOP’s (onde tenhamos deixado gavetas ou nas habitações dos mais poderosos), Brasil, Timor e alguns apartamentos em Macau – existe um utensílio curioso, embora muito útil. Ao longo dos últimos 30 anos (farão agora, muito brevemente, salvo erro), esse objecto esteve mesmo para desaparecer, estando eu convencido de que tinha mesmo deixado de ser fabricado. Durante muitos anos não se conseguia encontrar o dito nas lojas (e perguntar por ele era quase proibido e podia provocar dissabores) mas era muito útil e, principalmente para a pequenada gulosa, fantasticamente prático. Servia para muitas coisas mas para as crianças ele era o maior auxiliador na difícil tarefa de rapar as taças onde se tinham preparado os bolos, de ovos ou de chocolate, as mousses ou os suspiros: não ficava nada na taça. O que eu me deliciei com aquilo!
Ultimamente, aqui há dois ou três anos, comecei a reencontrá-lo nas feiras e, mais recentemente, até em lojas da especialidade. Julgo até já o ter visto num ou noutro hipermercado (na província, claro) e, uma vez, num dia muito complicado, vi-o em exposição, qual bibelot, numa cómoda em Paços de Ferreira (ou então estava desarrumado).
É um objecto muito simples, não obstante ser imensamente prático, para não dizer poupado: trata-se de um pequeno pau de madeira, cilíndrico, aí com uns 30, 35 centímetros, com uma espátula de borracha branca numa das pontas. Um dos cantos (se assim lhes pudermos chamar) da espátula é redondo, para melhor rapar as taças de que falava; os outros são ângulos rectos. O instrumento é muito eficaz na função que lhe está destinada mas é evidente que não deve ter ainda a chancela CEE.
Chamava-lhe o povo, com toda a sua sabedoria (que, aliás, justifica a democracia) e com algum carinho, simplesmente de salazar (com "s" minúsculo, uma vez que não se justifica a maiúscula).
Imagino que hoje, caso o seu fabrico e comercialização venha a ultrapassar as feiras e fronteiras portuguesas e se transforme num produto de grande consumo e de exportação, a sua designação distintiva seja mudada para qualquer outra coisa, por proposta apresentada à Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda e apoiada por diversos outros quadrantes políticos. Como imagino que a justificação da mudança seja o medo das crianças por fantasmas, ainda lhe vão chamar "papão"....
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