OS ESCRAVOS DE OURO: Sempre me causou alguma repugnância a linguagem com que se narram as contratações dos jogadores de futebol: o clube A comprou metade do jogador B ao empresário C; o jogador D já é proprietário de 70% do seu passe; E será emprestado ao clube F até ao final da temporada.
Estas expressões mimetizam-se facilmente num discurso onde abundam as metáforas e, por isso, passa despercebido o seu valor realmente denotativo. Porém, na verdade, trata-se de novas formas mais sofisticadas de reificação das pessoas, que encontram a sua compensação axiológica nos ordenados milionários, nas capas de revista, nos fans, nos fabulosos contratos de publicidade de que os jogadores beneficiam. Toda a gente tem o seu preço. Mas a pessoa tem um preço altíssimo. Por isso, e só por isso, é socialmente adequado noticiar que um clube comprou um jogador - mas já seria muito incorrecto noticiar que alguém comprou um canalizador, ou uma empregada doméstica, precisamente porque não beneficiam daquelas mordomias e, assim, não é possível a necessária compensação axiológica nas representações sociais.
Esta noite (e, neste caso, que ninguém aponte o dedo à comunicação social) assistimos ao último estádio possível dessa reificação: o espectáculo prolonga-se para lá do artista, cujo cadáver invisível gera a emoção dos que lhe eram próximos, a qual, por sua vez, se repercute, através de milhões de televisores, no país consternado.
Talvez tudo isto rime, tudo faça sentido. Mas este comércio não estava previsto, seguramente, no contrato de Mikki Feher.
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