REGIONALIZAÇÃO (2): O maior risco da regionalização é o surgimento de legitimidades eleitorais concorrentes com a administração local e central, que transformem a governação do país num processo de negociação permanente semelhante ao que hoje existe com as Regiões Autónomas (os Açores são menos vocais, mas hajem nessa matéria objectivamente da mesma maneira que a Madeira).
Acresce que Portugal tem um problema sério, estrutural, de finanças públicas. Que se agravaria certamente com governos regionais com peso negocial junto do governo central e com recurso autónomo à Banca e aos mercados financeiros (basta ver o que acontece com as autarquias e ampliar-lhe a escala). O exemplo da Argentina está aí, aos olhos de todos, para lembrar o que pode acontecer a um país, quando cada região se endivida a seu bel prazer sem controle nem centralização de responsabilidades.
Isto não quer dizer que não concorde com a existência de unidades administrativas supra-municipais que permitam uma melhor alocação de recursos. A escala municipal é cada vez mais insuficiente para enfrentar fenómenos de metropolitização de áreas urbanas contíguas ou de desertificação de regiões inteiras. O aumento de capacidade reivindicativa, sobretudo se tecnicamente e politicamente integrada pelos interesses de vários municípios teoricamente levará a uma melhor alocação de recursos.
Devo também referir que não sei (como não sabia na altura do referendo) o que é ser a favor ou contra o princípio da regionalização. Reformas de organização administrativa não se discutem em abstracto, mas sim perante planos concretos. E a proposta de regionalização do governo Guterres era disparatada e irresponsável. As oito regiões que propunha (e não cinco como, certamente por lapso, Luís Nazaré menciona no Causa Nossa) não correspodiam a qualquer agregação com base em problemas comuns ou complementares. Resultavam apenas de um processo de negociação politiqueiro. A forma como se chegou à proposta era em si uma boa ilustração do que nos esperaria a seguir, como bem então denunciaram defensores de sempre desta reforma como Vital Moreira (pelo que me lembro, defensor da solução de cinco regiões).
Claro que se pode contra-argumentar que o Tribunal de Contas poderá sempre controlar o endividamento das regiões, como tenta fazer com as autarquias e que esse controle depende grandemente do empenho do Ministério das Finanças central. Pode ser, mas como o consulado guterrista também demonstrou, talvez fosse melhor não fazermos depender a solvência financeira do país de equilíbrios políticos conjunturais.
O atitude do governo tem sido hábil ao tentar acomodar a necessidade de reorganização administrativa e a urgência de descentralização do país com as dificuldades e perigos que um processo deste tipo levanta. É um processo gradualista com uma dimensão de learning by doing, com possibildade de recuo e margem de aprofundamento, pelo que talvez seja ainda cedo para o condenar liminarmente.
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