DISCUSSÃO DESFOCADA: O filme A Paixão de Cristo reabriu velhas feridas entre religiões. A acusação que mais se ouve é a de o filme, retratando Pôncio Pilatos de forma relativamente benevolente em comparação com Caiaphas, reforça a acusação milenar de que os judeus mataram Jesus.
Esta discussão está completamente inquinada e ampliada pelas opiniões e sentimentos em torno da evolução recente da questão israelo-palestiniana, pelas atrocidades cometidas no Holocausto e durante séculos por cristãos, directamente ou com a sua conivência, contra os judeus. Ou seja, as trocas de acusações são oportunidades de ajustes de contas ou de aproveitameto político que pouco têm de sustentação histórica e nada têm a ver com a natureza da mensagem e do exemplo de Jesus. E que não são suportados pelos factos nem pela sua interpretação teológica.
Jesus era judeu. Pelo que afirmar que os judeus mataram Jesus, isolando este caso dos restantes, é uma aberração em termos de análise histórica. Os judeus entregaram às forças de ocupação milhares dos seus (calcula-se que cerca de 250 mil), forçados que estavam a tal por um acordo político imposto pelo exército romano, ocupante e repressor. Este acordo destinava-se a garantir um mínimo de ordem e quem sabe se a evitar o extermínio puro e simples de todo um povo (a que Jesus, José e Maria pertenciam). Ou seja, no limite, pode ter sido este acordo político, evitando extermínio dos judeus, que permitiu a existência de Jesus ali, naquele local e naquele momento.
A discussão assume contornos ainda mais estranhos, quando é analisada de um ponto de vista teológico. Jesus Cristo, filho de Deus, veio à terra transmitir a mensagem do Senhor e sacrificar-se perante e pelos homens. A vida, a mensagem de Cristo e a sua morte são parte do mesmo todo: Cristo viveu e morreu para salvação dos homens - o seu sacríficio é a prova, aos olhos do humanos, do seu carácter divino. A crucificação e resurreição são o momento da revelação final da sua mensagem de Amor, que foi levada ao extremo da entrega total e do sacríficio físico. A sua morte e ressurreição são o momento fulcral da sua passagem pela terra, em que o ciclo se fecha e um pregador talentoso prova a todos a sua natureza de filho do Senhor.
Desta forma, a morte de Jesus é, na revelação que permite, um ponto culminante e necessário que abriu caminho á poderosa Fé que arrastou milhões para o cristianismo nos séculos e milénios seguintes. A esta luz, é absolutamente irrelevante para um cristão o apuramento de quem matou ou mandou matar Jesus. Como Ele tantas vezes afirmou, veio à terra para, sacrificando-se, salvar os homens, deixando-lhes a Palavra da Salvação. E a sua morte, que o próprio previu, era parte da sua caminhada. Foi o acto que consubstanciou e confirmou a sua mensagem. Foi este exemplo de despojamento total, de generosidade sem limites, que marcou profundamente os seus seguidores de então e fez florir uma das maiores religiões do mundo.
Marcou de tal maneira o mundo, que o próprio Império que elaborou e aplicou a Lei que ditou a sua crucificação se vergou aos poucos ao poder da sua Palavra. E a sede de uma das suas Igrejas mais poderosas é agora na antiga capital (Roma) de onde saíam as directrizes para as forças repressoras que o crucificaram. Vistas as coisas deste prisma, a discussão sobre se os judeus mataram ou não Jesus é apenas e só deslocada e rídicula.
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