O COMPLEXO DE PETER PAN (II DE IV): Começarei por dizer que, embora discutível, pode aceitar-se, no contexto da sociedade portuguesa, a imposição de criminalização dos actos sexuais com prostituto(a) menor de 18 anos, na perspectiva da protecção da autodeterminação sexual (artigo 2º, al. c), ii, da Decisão-Quadro). Se, no rigor dos princípios, a irrelevância criminal dos actos sexuais com maior de 14 anos (ou de 16, tratando-se de actos homossexuais, na inconstitucional distinção da nossa lei) prevista no direito actual deveria ser de aplicação geral, independentemente da motivação lucrativa por parte do(a) menor, a verdade é que a experiência pragmática nacional tem mostrado que a prostituição abaixo dos 18 anos é exercida, em regra, por menores em situação de carência económica suficientemente grave para que se exclua, de forma genérica, a genuinidade do consentimento. Trata-se, repito, de uma opção discutível, que não é necessariamente adequada a outras culturas, mas que não escandaliza em Portugal.
De todo o modo, espera-se que, quando transpuser a norma europeia, o legislador português se recorde de que a imputabilidade penal começa, aqui, aos 16 anos, e que, em consequência, seria aconselhável limitar o tipo de crime aos agentes maiores de 18 anos (“Quem, sendo maior,...” etc.), sob pena de vir a praticar o crime de exploração sexual de menor o rapaz de 16 anos e um dia que tem sexo pago com uma prostituta de 17 anos e 11 meses – resultado, conceder-se-á, pouco menos que absurdo.
Em segundo lugar, e embora a liberdade sexual positiva se adquira, como se disse, em princípio, aos 14 anos e, em qualquer caso, aos 16 (por isso não é crime manter relações sexuais com cidadãos dessa idade), a Decisão-Quadro manda que se criminalize a produção, aquisição e posse de material pornográfico onde intervenham menores de 18 anos. É verdade que o legislador português pode evitar este paradoxo, consagrando a excepção permitida na Decisão-Quadro, segundo a qual os Estados podem “isentar de responsabilidade criminal” (sic) os ditos comportamentos quando se mostre que os adolescentes em causa já alcançaram a “maioridade sexual”. Mas será possível que a lei considere que se é “sexualmente maior” aos 14 ou, no limite, aos 16 anos, para efeitos da prática de relações sexuais – e admita simultaneamente que não se atingiu ainda a “maioridade sexual” necessária para consentir no registo de imagens de natureza pornográfica? Note-se que não se requer aqui, necessariamente, o móbil económico que permite duvidar da genuinidade do consentimento no caso da prostituição. Assim, não parece adequado condenar criminalmente a Francisca, de 19 anos, que procede ao registo fílmico ou fotográfico dos seus folguedos sexuais com o Bernardo, de 17 anos, com o consentimento deste. O que mostra que a incriminação de produção, aquisição e posse de material pornográfico onde intervenham menores de 18 anos, imposta pela Decisão-Quadro, quando alargue os limites da punibilidade postos pela lei portuguesa actual, só pode ser materialmente justificada – e com as mesmas reticências que para eles valem – quando se trate de actos análogos à prostituição, sc., com móbil lucrativo.
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