O COMPLEXO DE PETER PAN (III DE IV): Mas para além dos alargamentos da punibilidade provocados pelas proibições analisadas nos posts precedentes, que são mais ou menos discutíveis, mais ou menos susceptíveis de acomodamento racional, há outros dois que são inaceitáveis – e que, na verdade, provocaram estes posts.
O primeiro diz respeito ao material pornográfico produzido com “pessoas reais com aspecto de crianças” (sic). Dirá o leitor recto: então, o que se protege não é o menor de 18 anos, mas a aparência de menoridade. E o direito não serve para proteger aparências, nem uma ou outra moralidade.
Só que os Governos da Europa não são totalmente estúpidos e, antecipando esta crítica óbvia, permitem que os Estados criem uma “isenção de responsabilidade criminal” do agente (sic) se se provar que a “vítima” tem mais de 18 anos. Não perceberam? É simples: até aqui, havia que provar que o menor era menor. O que faz sentido, quando se quer proteger a autodeterminação sexual na menoridade. Com a transposição da Decisão-Quadro, bastará que não se prove que o suposto menor é maior. Na dúvida: é crime. Ora, num momento em que o grosso da pornografia é adquirida por consumidores que estão a dezenas de milhares de quilómetros de distância do local onde o material foi produzido, bem se sabe que será virtualmente impossível ao arguido provar, na esmagadora maioria dos casos, que os(as) retratados(as) são maiores. O que leva a exigir ao acusado a ignominiosa “prova impossível” da sua inocência.
O segundo diz respeito à divulgação de “imagens realistas de crianças não existentes”, expressão que, se não tivesse consequências funestas, seria hilariante. Isto significa, muito simplesmente, que passará a ser crime a divulgação e a posse (prevê-se a possibilidade de os Estados Membros isentarem de responsabilidade criminal o produtor – e só ele – que produz as imagens para seu uso pessoal, e só quando não houver risco de divulgação do material) de imagens montadas, ou fabricadas por computador e talvez até os desenhos “realistas”. Como é evidente, não está aqui em causa a protecção de menor algum – por definição, inexistente –, mas apenas a vergonhosa repressão penal de alguns estilos de vida.
“Crianças” aqui não há; ou melhor, crianças somos nós, que votamos em quem decide assim e que pagamos os ordenados a quem nos proíbe isto e mais aquilo "porque sim". É a Europa a menorizar-se, a recolher-se medrosa nos braços paternais de quem promete mais segurança em troca de novos interditos. É a Europa a acriançar-se, a não questionar, a não examinar, a calar-se porque "destas coisas não se fala".
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