POLÍTICA E DESPORTO: Recebemos uma interessante missiva do nosso leitor Alexandre Mota Pinto (que é dotado de inúmeras qualidades e talentos apesar de carregar a cruz de ser meu irmão mais novo - um exemplo claro de como o resultado de combinações genéticas pode melhorar com o tempo), sobre um tema (Política e Desporto) abordado pelo nosso amigo do Terras do Nunca:
Escreve o JMF do "Terras do Nunca", depois de defender o não intervencionismo do Estado no desporto: "Salazar ou Estaline também achavam que o desporto fazia parte do aparelho do Estado. Para glorificação do corpo e do espírito. Salazar e Estaline não sabiam é que iriam ter tão bons discípulos". Os "discípulos", na opinião de JMF, são João Pereira Coutinho e Manuel Alegre que se limitaram a pedir maior intervenção do Estado no futebol. Embora termine desta forma lamentável (e sem sentido, até face ao resto do texto), JMF chama a atenção para um tema muito actual, as relações entre o poder político e o desporto, que merece alguns comentários:
- O desporto tem um impacto enorme no mundo actual. Como escreve Umberto Eco, não se trata só do "desporto na primeira pessoa" (o desporto praticado), mas também do "desporto ao quadrado" (o desporto visto, enquanto espectáculo) e, pior ainda, do "desporto ao cubo" (o discurso sobre o desporto visto - a imprensa desportiva e as discussões sobre futebol) que, com a auto-reprodução destas dicussões (a discussão sobre a imprensa desportiva), degenera num "desporto elevado à potência "n" ". Pessoalmente, só gosto de praticar o desporto na primeira dimensão (de preferência com uma bola de basquete na mão) e sei que na nau que me acolhe se pratica o desporto em todas estas dimensões, destacando-se até um veterano na prática do "desporto elevado à potência "n" ". Ainda assim, atrevo-me a lançar estas duas fórmulas para caracterizar as principais relações entre o político e o desporto:
1 - "Enquanto estão no «circo» não chateiam". Sem querer discutir o papel social (positivo ou negativo) do espectáculo desportivo, parece-me óbvio que este gera um efeito perverso ao desinteressar os cidadãos da discussão sobre a res publica, criando a ilusão de que um golo é tão ou mais importante do que uma boa medida política. Esta conversão da Cidade em Estádio aproveita, notoriamente, a todos os políticos que estão no poder, já que enquanto o "circo" durar, o discurso sobre o desporto substitui o discurso sobre o político, que pode até ser inconveniente. Um exemplo: um estudo efectuado nos Estados Unidos, nos anos 90, demonstrou que os jovens americanos conheciam melhor as tatuagens e os "piercings" de Dennis Rodman, jogador dos Chicago Bulls, do que as políticas de segurança interna de Bill Clinton, que visavam um aumento dos polícias nas ruas, embora ninguém duvide que estas políticas são muito mais importantes para esses jovens do que os desenhos no corpo de Rodman.
2 - "O político que gera campeões, é um político campeão". A tendência reprovável para pôr o desporto ao serviço do Estado, do Político ou de certas ideologias não surge apenas nas ditaduras (não é o caso do Estado Novo - Salazar desconfiava do desporto profissional e preferia a modesta "ginástica de formação"), mas também nas democracias. Todos nos recordamos da corrida às medalhas olímpicas durante a guerra fria e das tentativas dos EUA e das defuntas URSS e RDA para demonstrar, por esse meio, a superioridade dos seus sistemas económicos e políticos. Sabemos, hoje, que os líderes soviéticos procuraram associar as glórias desportivas ao espírito de camaradagem e ao colectivismo, embora os atletas (muitas vezes forçados) e a população, em geral, as vissem como símbolos da coerção e exploração estatais. Sabemos, por exemplo, que, em 1984, Ronald Reagan aproveitou o sucesso dos EUA nas olimpíadas de Los Angeles para, na sua campanha de reeleição, reafirmar a restauração do orgulho americano. Bill Clinton voltou a fazer o mesmo nas olimpíadas de Atlanta, em 1996. Se formos felizes, Durão Barroso fará o mesmo no final do Euro 2004, embora com isso só contribua para uma triste evidência: a maioria continuará a preferir Figo a Durão e Rui Costa a Ferro. Mas, se assim não fosse, a maioria podia deixar de ir ao circo e começar a chatear...
Caro JMF: vai toda a distância entre o Estado que regulamenta o desporto e o Estado que põe o desporto ao seu serviço. Os "discípulos" a que se refere defendem, apenas, a regulamentação estatal para acabar com os episódios lamentáveis de violência, "doping" ou corrupção no desporto.
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