VERMELHO E PRETO: Os convidados de hoje para a missa na Catedral já vestem de preto por natureza e vêm de Coimbra. Do preto da oportunidade até ao vermelho da glória, prevê-se mais uma "imensa manifestação de dor e de saudade". Ao contrário da maioria, não concordo que esta e outras coisas se tenham devido ao facto de o jogador ser jovem, bonito, ter morrido em directo e o país se encontrar "deprimido".
Se o rapaz fosse do Guimarães ou do Alverca, bem poderia ter morrido em directo com mil câmaras e ser lindo de morrer, que ninguém lhe dedicava mais do que meia-dúzia de linhas. A primeira razão do estardalhaço ocorrido é simples: o rapaz era do Benfica, esse útero psico-social lusitano. Por outro lado, quando a princesa Diana morreu, o país não estava em recessão nem imerso no casapiano circo, mas a "comoção", as 1ªs páginas, o falatório foram equivalentes.
Portugal, já aqui o escrevi, se tem um traço reichiano, é a histeria. Somos saudosistas em qualquer época (basta ler Fialho ou Eça), desconfiados e invejosos q.b.(Camões) e sobretudo, arranhamos as coisas. O/A histérico/a não desenvolve afectos duradouros, e oscila entre a megalopatia ( que ao contrário do megalómano, interessa-se pelo grandioso para acabar por fazer apenas o fácil) e a crónica falta de auto-estima. Esta mistura explica a nossa dificuldade em apostar em tudo o que esteja relacionado com projectos de longo de prazo ( educação, ciência, até algumas infra-estruturas, etc). O traço histérico desenvolve a afabilidade tanto quanto lhe permite atrair o calor do outro, mas entende-se sempre como vítima do mundo: a histeria é manipulação permanente.
Assim, a festarola da passada semana sobre um cadáver húngaro, está ao mesmo nível do transeunte luso que pára para ver um acidente ensanguentado enquanto devora um pacote de batatas fritas: sinceramente emocionado mas com o olho nas batatas.
Stendhal, se bem me lembro, narra a história do jovem Julien, ambicioso, que descobre que o religioso mundo ao qual ascende não é o que parece. Nós, pelo contrário, somos exactamente o que parecemos.
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