ALMANAQUE DAS INTOXICAÇÕES XI: Quase nas vésperas da I Guerra do Ópio, em Dezembro de 1838, o Imperador Daoguang empossa Lin Zexu como Comissário Imperial. Chegado a Cantão, em Março do ano seguinte, apressa-se a proibir o consumo e a importação de ópio. Elliot, o mais famoso dos traficantes, recusa-se a obedecer e vai para Macau traficar. Lin Zexu reage:
(...) Apesar da política desta Celestial Dinastia afeiçoar os que vêm de longe, não permitiremos que a nossa lei seja vilipendiada. O único que faremos será privá-los dos compradores e cercar Macau para uma futura busca de tal produto. Com este severo castigo, bem receio que a presença bárbara em Macau não possa continuar por muito mais tempo. Que os bárbaros, antes de agir, pensem e repensem para não se arrepender mais tarde.(...)
O relacionamento das autoridades portuguesas com o Império do Meio, experiente de três séculos, estava emparedado pelo receio de uma ( nova) invasão inglesa de Macau. Por outro lado, os portugueses não acreditavam que os ingleses estivessem dispostos a estilhaçar o equilíbrio comercial na região. E o ópio era o ponto-chave desse equilíbrio. A 26 de Setembro de 1839, o Juiz de Direito de Macau, José Maria Rodrigues, num relatório enviado ao Barão de Sabrosa, Presidente do Conselho e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, revela-se prudente:
(...)"Porque se não aproveitar agora desta ocasião, em que o Sr.Delegado manda entregar o ópio, em apresentar-lhe toda a porção que há. Ele então há-de participar ao Grande Imperador, e será isto bastante, para que todos os Portugueses sejam olhados como obedientes às leis do Império, e como bons, e submissos Estrangeiros; e de certo receberão os louvores."(...)
Já o Governador de Macau na altura, Silveira Pinto, dava uma no cravo, outra na ferradura, e definiu uma política de neutralidade na I Guerra do ópio, (que durou de 1839 a 1842), sublinhando a necessidade de preservar uma boa relação com a Coroa Britânica, oferecendo proteção aos súbditos britânicos que não tivessem ligação directa com o comércio do ópio. Esta duplicidade tinha as suas raízes numa pretensão antiga: em 1823, Macau tinha tentado reactivar o comércio de ópio a partir de Damão, furando assim o monopólio inglês, ( o que agradava à China); tal não foi de todo conseguido, pois Lintim (vizinha de Macau) tornou-se uma placa giratória de trafico, para grande tristeza da alfândega da colónia lusa. Ficar de bem com Deus e o Diabo, acabou por custar a Macau, nesta primeira metade do século XIX, a perda de uma honorável insígnia: a de lugar-rei do tráfico de ópio no extremo-Oriente.
(Com a cortesia de Wu Zhiliang, Alfredo Gomes Dias e Ângela Guimarães, de quem, a pedido de eventuais interessados, fornecerei a bibliografia respectiva)
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