IMPOSSÍVEL ESQUECER: O muito celebrado Charlie Kaufman (Being John Malkovich, Adaptation) é um argumentista um bocado irritante. Tem como tema recorrente a mente humana e os seus labirínticos meandros. As histórias são criativas, a sua imaginação delirante e o sentido de humor inteligente. Mas parece que faz gala em complicar desnecessariamente enredos e, talvez deslumbrado pelo seu próprio sucesso, fez de Adaptation que lhe valeu um Óscar, uma manifestação pretensiosa e egocêntrica. Como que a dizer: "vejam como eu sou inteligente e espirituoso que até gozo comigo próprio". Fruto desta deriva, confesso que foi com um pé atrás que fui ver Eternal Sunshine of the Spotless Mind, a sua última invenção.
A história é mais uma vez sobre o cérebro humano. Dois namorados Joel (Jim Carey) e Clem (Kate Winslet) encontram-se amarrados numa relação sem interesse e sem futuro mas com a qual são incapazes de cortar. Em desespero, ela recorre a uma empresa submetendo-se a um inovador procedimento médico que permite a limpeza de todos traços da presença dele na sua memória. Tomando conhecimento disto, Joel resolve submeter-se ao mesmo tratamento. A partir daí, num bom estilo kaufmaniano, a coisa complica-se. Mas, ao contrário de outros momentos, o enredo segue de forma bem desembaraçada e resolve-se bem (se descontarmos os flashbacks e a ordem temporal caótica da narrativa, mas isso era o mínimo que estávamos à espera).
O filme, que está cheio de situações cómicas, acaba por revelar-se de um profundo romantismo. Kaufman conseguiu aqui o que havia falhado em espertinhas obras anteriores: resolver bem o filme no final e sobretudo deixar vir à tona sentimentos.
Eternal Sunshine é uma bela peça sobre a possibilidade de um amor puro, verdadeiro, inapagável, que supera problemas e dificuldades enormes como a ausência de memória ou as naturais marcas e traumas que o convívio prolongado, rotineiro e quotidiano pode deixar. Inscreve elegantemente momentos cómicos sob um pano de fundo de comovente emotividade.
Claro que a coisa podia muito bem ficar por aqui que já não era coisa pouca, mas Kaufman, com aqueles seus irritantes tiques de melhor aluno da turma, lá consegue pôr um personagem a citar Nietzche ("A minha fórmula para a grandeza é... que ninguém quer nada diferente, nem no futuro, nem no passado, nem em toda a eternidade"), num filme cujo título é retirado de um poema de Alexander Pope (parcialmente declamado a meio do filme). Mas desta vez, ao contrário de outras, as referências a martelo e o manto de erudição forçada e pretensiosa não abafam a força das emoções e sentimentos que o filme contem dentro de si. E este pequeno grande feito torna Eternal Sunshine impossível de esquecer.
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