A LÓGICA DA AVESTRUZ: Um raciocínio surgiu, e anda por aí pela boca, pela pena e pelo teclado de gente muito respeitável, que nos diz que se os autores da tragédia de Madrid for gente ligada à Al Qaeda isso é uma caução das teses pacifistas da esquerda e que se for a ETA então a direita verá as suas teses reforçadas. Implícita nesta putativa lógica está a ideia de que a Al-Qaeda ou os fundamentalistas islâmicos só atacariam países que apoiaram os americanos na intervenção no Iraque. Este raciocínio tem sido ouvido sobretudo à esquerda. O que nos dá boa conta do mundo irreal onde grande parte da esquerda tem andado nos últimos tempos.
Seguindo este raciocínio, somos forçados a concluir que os atentados de fundamentalistas islâmicos durante os anos 90 em França, as ameaças de Bin Laden em 1999 a Portugal devido ao processo de indepedência timorense, o 11 de Setembro, os atentados na Indonésia, Turquia, Marrocos, Arábia Saudita, Moscovo, etc. foram todos fruto da colaboração com a invasão do Iraque... em 2003.
A Al Qaeda é uma rede que tem tanto de central de comando e logística de actos terroristas como de disseminadora de uma ideologia fanática por outros grupos integristas islâmicos. O inimigo da Civilização, da Democracia, da Liberdade, no Ocidente ou no Mundo Islâmico, é esta ideologia. Que é usada sem escrúpulos por criminosos tipo Bin Laden ou ditadores oportunistas como Saddam (que, nos últimos tempos e para quem não se lembra, se comparava a heróis do Islão e declamava versos do Corão em intervenções públicas).
Esta ideologia não chegou de repente. Avançou pé ante pé durante os anos 90 em todo o mundo árabe (lembram-se da Argélia e da vitória da FIS ?) e nas comunidades islâmicas instaladas no Ocidente. O avanço da globalização, da liberdade de informação e circulação, significou para esta ideologia a possibilidade de montar operações como o 11 de Setembro e, quem sabe se o 11 de Março.
Uma parte da esquerda, seja por generosidade inconsciente que conduz ao pacifismo ou por ressaibo ideológico que considera, consciente ou inconscientemente, que tudo o que atinja aos americanos é sempre bem feito, não quis compreender isto a seguir ao 11 de Setembro. Porque o 11 de Setembro marcou um ponto de viragem. Ao atacarem o único país do mundo com capacidade de intervenção global, os fundamentalistas islâmicos começaram uma guerra global. A Europa, que previamente já tinha sido atacada, não tem meios para responder. Não é o caso dos americanos. A intervenção no Iraque tem de ser vista a esta luz (os fanáticos islâmicos perceberam imediatamente o que estava em causa, despachando para o Iraque milhares de fanáticos).
Se se confirmar que o 11 de Março foi de autoria de grupos islâmicos radicais, isso apenas significa que foi mais um passo, mais uma batalha nesta guerra global. Uma guerra deste tipo exige a unidade dos que acreditam nos valores da tolerância, da democracia e da liberdade. A esquerda tem tradições nobres nesta matéria. Mas, encurralada no seu labirinto de demagogia pacifista criado a propósito da guerra do Iraque, prefere agora a propósito de mais um ataque ignóbil prolongar a sua argumentação sobre a questão iraquiana até ao limite do absurdo e da má-fé. Mostrando total incapacidade de compreensão e reacção perante o que está em causa nesta guerra (o melhor sinal é que evitam esta palavra para caracterizar o estado actual do Mundo). Intelectualmente comportam-se de forma bem semelhante aos que recusaram ver o avanço hitleriano nos anos trinta e o do estalinismo na Europa de Leste no pós-guerra.
Perante uma realidade que não querem enfrentar, há à esquerda quem prefira entreter-se com subtilezas sobre quem beneficia com o apuramento dos autores do atentado de Madrid. O que me espanta é que ninguém se dê conta de uma conclusão cruel, mas óbvia, deste frívolo exercício: a esquerda e os seus argumentos sairiam beneficiados se os autores deste atentado fosse o nosso (de todos nós, de esquerda e de direita) Inimigo mais temível. É meter a cabeça na areia para, não vendo o Inimigo, concluir que ele não está lá.
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