AR DO TEMPO: Tinha acabado de ler, por obrigação da minha actividade docente, o Sexo & Negócios, ( 2000 no original, 2003 para a edição portuguesa da Vida Económica) da entediante e famosa Shere Hite, quando me aterrou no gabinete um caso típico de assédio sexual. Já conhecia a rapariga, pois tinha-a tido em psicoterapia ligeira, durante algum tempo, e de certa forma surpreendi-me: ela, solteira e dedicadíssima ao trabalho e à formação profissional (estuda para acabar a licenciatura), sempre denotara uma mistura de garra, frieza, alguma agressividade mesmo. Primeiro preconceito a ir para o brejo.
De tão banalmente perfeito, o episódio parecia retirado de uma reportagem sobre assédio sexual. Ela com 26 anos, ele, o chefe, com 58. A situação laboral dela tem sido matizada pelos seus pedidos insistentes para que o chefe desbloqueie a sua subida na categoria profissional. No espaço físico em que trabalham, estão sózinhos. De início insinuações sistemáticas sobre a necessidade de terem um dia um jantar a sós para falar com mais calma de coisas do trabalho. Pelo meio, olhares fixos no corpo da subordinada, a qualquer hora do dia, mas sobretudo de manhã, pela entrada no escritório. No final, a gota de água: um dia passa por ela e puxa-lhe a alça do soutien. A reacção da rapariga é deliciosa: "levantei-me, virei-me para ele e disse-lhe - Com todo o respeito, isto é demais!"
Sentada à minha frente, não descortina o enlevo que me causa esta esta descrição, o "respeito" não era para ali chamado. A culpabilidade, ronceiramente previsivel, não falha: " concerteza que fiz alguma coisa mal, devo ter falhado em alguma coisa, não sei".
Shere Hite, no seu livrinho repleto de estatísticas, diz que estas situações se devem essencialmente à sexualidade da família tradicional. Como qualquer fanática da cartilha pós-moderna, Hite defende que a estrutura tradicional induz sentimentos de superioridade e agressividade masculina sobre o sexo oposto. As mulheres, por seu lado, terão sido ensinadas a conseguirem o que querem através de uma suposta sedução submissa. Se leram Engels e Reich, percebem ( pós-modernidade, my ass...).
Como sempre, pobre alma desactualizada, encaro estas coisas com mais simplicidade. O velho chefe, com uma provável vida sexual tão interessante como um discurso de Jorge Sampaio, convive diáriamente com uma mulher jovem, inteligente e razoávelmente ( apenas...) apresentada. Não lhe conhece marido ou namorado, ela é gentil para com ele, faladora e despachada. Porventura pensa nela todas as noites, já não sabe o que fazer: tenta a sua sorte. Ela, "com todo o respeito", põe-no no seu lugar. Ponto final, a vida continua.
Assédio sexual? Quem é que pensou, quando as mulheres inundaram os locais de trabalho exteriores à vidinha doméstica, que os sexos se iriam entreter a jogar dominó?
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