ASSASSINATO E ASSASSÍNIO: Depois de acesa discussão aqui na nau, o nosso Comandante enviou um e-mail à Bomba Inteligente, onde sustentava que a palavra inglesa assassination se teria formado a partir do francês assassinat e que, em consequência, "assassinato" seria um galicismo.
A genealogia das palavras é uma coisa curiosa.
É verdade que a maioria das palavras inglesas de raiz latina se formaram a partir do anglo-normando (até ao séc. XI, a influência do latim foi diminuta e quase exclusivamente relacionada com a religião cristã) e são, em regra, uma segunda designação para significados que já possuíam, na altura, um nome anglo-saxónico (de raiz germânica) - à excepção, porventura, de gastronomy...
Alguns termos franceses passaram a coabitar com os originais saxónicos, ganhando uma certa autonomia no contexto em que eram utilizados: pig e cow continuaram a designar os ditos animais, que todavia, ao chegarem à mesa da aristocracia normanda, se transformavam em pork e beef. Outros termos substituiram as palavras anglo-saxónicas homólogas, por força do domínio, pelos normandos, de certo sector ou aparelho político-social: é o caso de crime, indict, jury, verdict, judge, etc.
No que diz respeito aos nomes dos crimes, não parece possível estabelecer uma regra. Se não existem dúvidas de que corruption provém do francês antigo e theft do germânico, murder vem do inglês antigo morthor, que por sua vez foi gerado (tal como o francês murdre/meurtre) pelo germânico mur-thra, o qual procede da raiz indo-europeia mer- - sim, a mesma que terá dado o latino mors.
Por seu lado, a etimologia da palavra assassínio parece estar numa terceira via entre as hipóteses avançadas pela Charlotte e pelo FNV (ver post abaixo), derivando (via italiano) do árabe assassiyun (os que são fiéis ao "fundamento" da fé - assass), nome por que eram conhecidos os membros de uma seita ismaelita do séc. XII e cuja crueldade levava alguns a dizer que só a ingestão de drogas (haschichiyun) podia explicar tais actos (ver, p. ex., este texto de Margarida Santos Lopes, no Livro de Estilo - Público / Fevereiro de 1998).
Seja como for, aquela etimologia é congruente com a noção de que o assassínio é um homicídio particularmente grave. As Sete Partidas (séc. XIII) já diziam: "assesinos son llamados una manera que ha de omes desesperados, e malos, que matan a los omes a trayción, de manera que non se pueden dellos guardar" (P. VII, 27, 3). Desde então, e até hoje, os espanhóis conservam na sua lei, como homicídio qualificado, o crime de asesinato, tal como os franceses conservam o assassinat e os suíços (na versão italiana) o assassinio.
Pode então concluir-se que, se for verdade que o termo foi importado do árabe, em primeira mão, pelos italianos, a nossa palavra é mais fiel ao "original" do que assassinat, assassination, ou asesinato. Embora, como se viu, murder esteja linguisticamente mais próximo do português do que assassínio ...
Esta coisa da genealogia das palavras é muito traiçoeira.
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