CABEM TODOS: Há um restaurante com esse nome, já lá comi um bom robalo, na praia da Consolação, Peniche, onde Ruy Belo escreveu umas coisas. Mas o que me traz o nome é outra faina. Dois artigos hoje no Público, escritos por duas pessoas da mesma geração, sobre as contas de Abril, exibem aspectos curiosos. O de Vital Moreira, francamente equilibrado, o de Teresa de Sousa mais emotivo e mais ingénuo, mas ainda assim, certeiro.
Vital Moreira (de quem li em miúdo O Renovamento de Marx, para incómodo do meu pai, mais adepto da linha dura ), acaba esforçadamente por reconhecer à social-democracia, burguesa e liberal, ao espírito contrário aos projectos utópicos de Abril - o da revolução inacabada de Otelo e Pintassilgo - o mérito de ter desenvolvido o país. Quando Soares põe o socialismo na gaveta, tempera os excessos de Abril, ajustando-os à realidade. Vital acha que sem esses excessos as coisas teriam sido diferentes, para pior. Talvez mais lentas? Talvez. Sempre entendi que o pior do antigo regime era a fractura antropológica, que definia os desgraçados como genéticamente explicados, como uma coisa natural. Assim era com os alentejanos (lerdos), com as sopeiras (nasceram para isso), com os operários ( nunca serão doutores), com os pretos ( macacos). Os homens não mudam, quanto mais devagar; por isso os excessos, mesmo os mal intencionados, acabam por ter um papel decisivo na alteração das representações sociais do outro, do outro membro da comunidade.
O artigo de Teresa de Sousa louva um aspecto específico das democracias liberais, o da liberdade negativa, na linguagem de I.Berlin. Mas Teresa de Sousa entende que Paulo Portas, mascante de cerimónias e de chiclete, não integra o espírito de reconciliação nacional ( contrário à ideia de liberdade negativa, o que aparentemente T. de Sousa não percebe). O mesmo espírito que permite que Ana Maria Caetano e Isabel do Carmo, para gáudio da cronista, debatam tranquilamente, na TV, as suas diferenças. Também gostei de ver, sempre é melhor que o silêncio bafiento ou do que as verdades revolucionárias auto-evidentes. Mas eu discordo de Teresa de Sousa num ponto: a mera existência governativa e mediática de Paulo Portas prova o espírito de Abril ( o espírito do pós -Abril, para ser mais preciso): cabem todos, um PCP estalinista, um Paulo Portas saudosista.
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