ROSCA MOÍDA IV: Certamente que me perdoarão, mesmo aqueles mais aguerridos e que gostam de ver sangue, aqueles que se perdem por uma valente sarrabulhada, mas compreenda-se que quem vive em dieta não consegue pensar noutra coisa. Vai daí, por mais que tente concentrar-me no computador não consigo deixar de pensar numa bela, grande e fofa regueifa ou, como se diz em muitas zonas do país, rosca.
Há lá coisa melhor do que uma grossa fatia de rosca, acabadinha de fazer, bem untada de manteiga amarelinha e cremosa?... O único senão das roscas é o caminho da padaria para casa pois qualquer que seja a distância, ele parece ser sempre excessivamente longo e demorado, dá quase vontade de ir à padaria comprar a rosca já munido de um pacote de manteiga e de uma faca apropriada. Há por aí tanta lei, devia ser criada uma que obrigasse o padeiro a vir a casa entregar as roscas para se evitarem aqueles momentos de dura ansiedade, em que já temos a rosca debaixo do braço mas ainda não estamos em casa, devidamente munidos da faca e da manteiga.
Durante anos, para me distrair, vinha da padaria a tentar decidir-me se atacava a rosca logo, de imediato, fresquinha, ou se a torrava. Hoje já tenho por hábito, sempre, comê-la no dia, fresca, em grossas fatias bem barradas de manteiga (convém tirar a manteiga do frigorífico antes de ir comprar a rosca, para que esta fique com a consistência ideal). Guardo para o pequeno-almoço do dia seguinte a possibilidade de comer a rosca, também em grossas fatias mas agora torradas. Torradas, não. Levemente tostadas. Devem ficar apenas amareladas... no máximo, talvez cor de canela. Sugiro – para torradas de rosca - que se derreta a manteiga (sem nunca a deixar queimar!) e que seja usado um pincel para passar a manteiga (se ninguém estiver a ver, passar dos dois lados). Pode-se acrescentar sempre uma compota, a de cereja liga magnificamente. Chá, claro, à escolha do freguês. Uma lareira bem puxada vem a calhar e, para ler, um bom livro.
É verdade que um bom sarrabulho também é agradável, muito bom, mesmo, gosto bem e não fujo a ele. Mas sarrabulho todos os dias, sempre, sempre que uma pessoa se senta à mesa acaba por se tornar desagradável, incómodo e enjoativo. A rosca, por seu turno, nunca se torna enjoativa.
Além de tudo, a regueifa, ou rosca, dá para vários dias. Ao fim de dois ou três ainda se fazem boas torradas dela. Tem um travo levemente adocicado e é excessivamente fofa pelo que não serve para pão ralado, mas tenho reparado ultimamente que há gente que a guarda dias e dias a fio, à espera do momento mais conveniente (geralmente, na primeira hipótese) para a moer e, depois de bem moída, certamente dela fazer uma grande açorda, pois não vejo que mais se possa fazer com rosca moída.
Eu cá gosto muito de açordas, também. Perco-me por uma boa açorda de tomate, no forno, com ovos estrelados ou escalfados. Mas acho que a consistência e o sabor da rosca não a tornam muito propícia a confeccionar açordas. Para mim, tenho por certo que o melhor para se fazer uma açorda à maneira ainda é o velhinho papo-seco...
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