TORPOR ANIMI: Peço emprestado o título a Petrarca, Mestre maior em Psicologia, que aconselhava para escapar ao desânimo, tomar consciência da fuga do tempo. A rapariga tinha 15 anos quando a barriga da mãe desenvolveu um alien que lhe comeu as entranhas por tanto tempo que, quando acabou, a miúda já era maior de idade. Fez de enfermeira da mãe, acamada em casa, uma casa grande e farta. O pai retirou-se para a quinta, a irmã mais velha já estudava em Coimbra.
Hoje, com 22, também cá estuda, a conta-gotas. Não tem grande vontade de fazer coisa alguma, é bisonha, passa longos períodos na cama. A fluoxetina não lhe vale de muito, o namorado tão-pouco.
O que esta miúda gosta é de zarpar para a terra, meter-se no quarto onde sempre viveu, passear cosida às paredes da casa que viu morrer a mãe. A irmã, o pai , a família, dizem que ela é infantil, acriançada. Também tu leitor o eras, se te tivessem roubado o futuro: esta rapariga regressa sempre à infância, ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Ao último lugar onde foi feliz, embora na altura não o soubesse.
Nestas idades, ao contrário da vulgata juvenil-hedonista, o que os miúdos precisam é de estabilidade e de modelos. Só assim podem crescer, revoltar-se, contestar. Se o processo é interrompido pela morte de uma mãe absolutamente vulgar ( ou pela separação abandónica de um ou de ambos os pais), o miúdo/a é obrigado a queimar etapas.
Esta minha doente foi adulta quando deveria ter sido miúda, é miúda agora, quando já devia ser adulta. Porque regressa ao quarto e à casa?
Talvez porque a valorização social (com influência dos circuitos neuronais da recompensa) que faz de um tempo bom, seja superior á antecipação que elabora do tempo que está para vir. E assim regressa. Sempre.
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