AINDA RAFAH: "Temos de ser humanos e judeus e não apenas fanáticos da segurança", são as palavras de Yosef Lapin, líder do Partido Shinui, parceiro da coligação que sustenta Sharon. Lapin foi mais longe, porventura demasiado longe, ao comparar a ravage do exército do israelita em Rafah com a Shoa, "o indizível", o holocausto de assinatura nazi. Veio do Ministro da Saúde, ironia da circunstância, Dan Naveh, a indignação perante a analogia. Terreno minado este, a velha Arte da Prudência de Baltazar Gracian, desesperadamente nos convocando.
Mas o que se passou em Rafha, sobretudo em Brasil e em Tel Sultan, bairros miseráveis, ultrapassou a minha compreensão e pelos vistos a dos espectadores e (involuntários) actores próximos. Já aqui o tinha dito, não sendo eu militar nem especialista de segurança, ainda assim não consegui bispar ponta de lógica na destruição sistemática de habitações civis e no assassínio de inocentes. Em Israel, segundo a Associated Press que cita fontes do exército e do Governo, a perplexidade não é incomum. Para quê? Dizem alguns analistas que foi uma vingança pela morte recente de 13 soldados israelitas na Faixa de Gaza ( e não foram pedras que os mataram, apesar da manhosa propaganda palestiniana), dizem outros que Sharon quer mostrar-se duro à direita do Likud antes de retirar. A versão oficial assenta na procura de terroristas e respectivas rotas de escapatória. Seja o que for. Se tiver sido por vingança, o acto é terrorista porque penaliza civis. Se o que motivou a imbecilidade de Rafah foi uma mensagem política, o velho princípio kantiano de encarar os homens como fins e não como meios, jaz morto e arrefece em terras de David.
A obsessão securitária, que percebo a menos que fosse descerebrado, estará naquela zona do globo a retomar um velho refrão anterior à cultura: o outro é, antes de ser, meu inimigo. A prazo, o resultado desta lógica implacável será o de não ser mais possível distinguir o homem da besta. A esperança residirá talvez nos tormentos da viagem, e por isso as palavras de um sábio judeu, que há muito leio, batem-me à porta:
"We were, we remain nomads across time" ( George Steiner, Through That Glass Darkly, 1991)
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